Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Época ‘adapta’ declaração sobre Second Life

O entusiasmo da Época pelo mundo virtual Second Life, objeto da reportagem de capa desta semana, levou-a a ‘adaptar’ uma declaração do sociólogo Ted Nelson, entrevistado na mesma edição.


Na abertura da reportagem está escrito:


‘(….) Para muitos acadêmicos, cientistas, empresas e investidores, ele é o prenúncio de uma nova era tecnológica. O embrião do que será uma internet mais bonita, interativa e totalmente em três dimensões. ´O Second Life é um exemplo de inovação dos programas de interação entre homens e máquinas´, afirma o sociólogo americano Ted Nelson, criador do termo ´hipertexto´ e do conceito de links na internet. ´A interface em três dimensões é o futuro da internet. Ela vai provocar uma revolução tão grande quanto a própria criação da World Wide Web´ (leia entrevista etc.)’.


Muito bem. Mas o que diz na entrevista, páginas adiante, Ted Nelson? Primeiro, que a Web, a interface atual, é muito ruim: ‘Ela é tão óbvia e tola que parece coisa de criança’. E, adiante:


Época – Há coisas na internet que não são óbvias e têm interfaces inovadoras. Como o Second Life.


Nelson – O Second Life é interessante, divertido. É uma idéia ótima, embora, na forma, também não seja algo novo. Ele simula um espaço em três dimensões na internet. Ou seja, copia um ambiente comum em três dimensões. Acho que ele poderia ter gráficos melhores‘.


A frase ‘é um exemplo de inovação dos programas de interação entre homens e máquinas’ pode ter sido dita por Nelson, mas não está na entrevista.


E onde está a frase ‘a internet em três dimensões é o futuro da internet’, que aparece colada ao elogio ao Second Life?


Numa resposta em que Nelson se refere a um novo sistema que está criando lê-se algo semelhante. Mas não tem nada a ver com o Second Life:


‘Hoje, os adolescentes brincam com jogos em três dimensões que têm gráficos maravilhosos. Mas a internet e os softwares de escritorio não usam esses gráficos. Por quê? Como não sei a resposta a essa pergunta, resolvi criar uma nova interface para navegar na internet e nos escritórios. Ela será visualmente deslumbrante, totalmente em três dimensões’.


Novamente, o sociólogo pode perfeitamente ter dito a frase da abertura, mas ela não aparece na entrevista que ele dá à revista.


Alguém me ensinou que isso não é boa técnica jornalística. Não é difícil entender por quê. É como usar uma fotografia de uma pessoa que não é mencionada na reportagem.


A entrevista de Ted Nelson, que li e reli, é muito boa. Põe o dedo em algumas feridas. Critica, sem explicitar esses conceitos, o conformismo e a mesmice.


A reportagem da Época sobre o Second Life cita Silvio Meira, fundador do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), ligado à Universidade Federal de Pernambuco. Diz que o Second Life ‘é só o começo de uma onda de realidae virtual que vai inundar nossa vida’. Meira é um craque e deve ser ouvido.


Cita também o atual presidente da IBM, Sam Palmisano. Não pude evitar a lembrança de uma declaração feita em 1958 pelo então presidente da IBM, Thomas J. Watson, citado no livro (tradução livre) ‘As 776 coisas mais estúpidas jamais ditas’ (de Ross e Kathrin Petras): ‘Penso que existe no mundo um mercado para cinco computadores’.