Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As perguntas (ainda) sem respostas

Duas semanas após a passagem devastadora do furacão Katrina, dia 28 de agosto, pelos estados do Mississippi, Alabama e Louisiana, agora é a vez do furacão Ofélia ameaçar a Carolina do Sul. No domingo (11/9), jornal The Beaufort Gazette daquele estado dava conta dos preparativos para a chegada da tormenta. Mas as previsões não ajudam muito, diz a repórter Sandra Walsh: o Ofélia flutua entre as classificações de tempestade tropical e de furacão. Esta indefinição coloca em suspense as autoridades estaduais e organizações como a Cruz Vermelha e o Exército da Salvação. Todo o litoral, desde Savannah até a Carolina do Norte, está em estado de alerta. A temporada dos furacões no Caribe e Sul dos EUA deve terminar apenas em 30 de novembro.

Mas e o Katrina? Passado o impacto inicial, muitas questões ficaram no ar. Em julho de 2003, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgou relatório sobre o aquecimento global: ‘Estes acontecimentos recordes (altas e baixas temperaturas, secas e tempestades tropicais) vêm aumentando gradativamente, nos últimos anos, à medida que sobem as temperaturas médias do planeta’. Segundo a OMM, esse fator provoca instabilidade no clima mundial, com devastações em várias partes do globo terrestre, com furacões, tsunamis e secas de grande intensidade.

A organização inglesa MediaLens tem por objetivo tentar corrigir o que eles chamam de ‘visão distorcida da mídia corporativa’. Nos dias 1º e 2 de setembro, no informe intitulado ‘Aplaudindo os criminosos do clima’, a entidade critica a mídia em geral e coloca várias questões a seus leitores: qual a relação entre a instabilidade climática e o desastroso ‘crescimento’ econômico global? Por que a mídia não relata mais criticamente sobre o abismo entre a retórica dos governos e a realidade climática?

‘Por que não investigar mais a fundo os lobbies das corporações e dos governos – que se propõem a minimizar quaisquer esforços para melhorar a instabilidade climática?’

E prossegue:

‘Onde estão as reportagens e editoriais sobre a ferrenha oposição dos grandes empresários e dos políticos às medidas para melhorar o clima, aí incluindo a troca de subsídios ao uso de combustíveis fósseis em favor das energias renováveis?’

Para a MidiaLens, os jornalistas continuam ignorando a insustentável natureza do crescimento econômico ‘infinito’ diante da realidade de um planeta ‘finito’ e com claros limites. Ou seja, os jornalistas – certamente cumprindo com seus compromissos com as elites econômicas globais – não relatam os elos entre a catástrofe climática e as práticas daninhas das corporações e investidores multinacionais. Agora, como se vê com o Katrina, nem mesmo a maior potência do sistema capitalista global é imune ao caos provocado pela instabilidade climática, derivada do aquecimento do globo.

Conclui a MidiaLens:

‘Onde estão os artigos ou reportagens alertando sobre os insidiosos esforços do big business para obstruir e obstaculizar as políticas racionais nos vitais setores de energia, transporte, produção de alimentos e comércio, de que tanto necessitamos com urgência?’

O fato é que os desastres ‘naturais’ relacionados diretamente ao aquecimento global já têm um custo que ultrapasso o total, a cada ano, de 60 bilhões de dólares. E essa soma impressionante não inclui as perdas humanas resultantes do caos climático, tais como as mortes, feridos, doenças e epidemias e perdas econômicas individuais – conforme o estudo ‘O Preço do Poder’, de 2004, divulgado pela organização londrina New Economics Foundation.

Banalização do real

Os países vizinhos da zona do desastre, as populações pobres das pobres nações do Caribe, viram com espanto pela TV as imagens de destruição e saques, os cadáveres abandonados nas ruas, e a legião de desamparados de um Estado que se propõe ‘mínimo’.

O relato do correspondente do Le Monde na República Dominicana, Jean-Michel Caroit, publicado em 4/9, mostra como aquelas cenas abalaram fortemente entre as populações e a mídia do Caribe, o mito da superioridade do modelo norte-americano.

O diário Jamaica Gleaner comenta que ‘a devastação do Katrina revelou as fragilidades da infra-estrutura física e, bem mais, as fissuras no tecido social dos Estados Unidos’. O sociólogo dominicano Wilfredo Lozano comentou no jornal parisiense:

‘Os mais ricos, ou seja os mais brancos, conseguiram fugir a tempo. O Katrina colocou em evidência as profundas desigualdades dentro do país mais rico do mundo’.

Na edição nº 345 deste Observatório, no artigo ‘Reflexões sobre o desastre e a consciência global‘, o jornalista Ulisses Capozzoli levanta algumas perguntas:

‘Por que a população mundial não expressou solidariedade com as vítimas do Sudeste dos EUA, a exemplo do que ocorreu em dezembro de 2004 no Sudeste Asiático? Por que, aparentemente, somos insensíveis à dor e ao sofrimento a cada dia que passa?’

Mas as respostas, algumas pelo menos, estão no próprio texto de Capozzoli: as novas tecnologias levam à completa banalização do real. ‘Há um sentimento de impotência, solidão e tristeza, apesar de estarmos mais conectados do que nunca’, escreve ele.

Dobras do tempo

Tudo isso é verdade. Mas no episódio do tsunami asiático, as perdas humanas foram muito mais terríveis que as registradas agora. Creio também que a solidariedade e a comoção mundiais foram como que conduzidas, naquele momento, pelos meios de comunicação pela presença entre os mortos e desaparecidos de milhares de turistas estrangeiros, brancos, ricos e da alta classe média, que passavam suas férias em locais por eles considerados ‘exóticos’.

Já nos estados do Albama, Mississippi ou Louisiana, a realidade é outra e muito diferente: a maioria esmagadora das vítimas e refugiados são trabalhadores pobres, ou desempregados, quase todos negros ou latinos. Com raras exceções, a mídia dos EUA, esquiva-se e não aborda questões delicadas como as barreiras entre classes sociais e raça. Uma divisão que perdura de fato nos estados do Sul dos Estados Unidos, mesmo após uma longa e terrível guerra civil no final do século 19.

Após reportagens mais ‘leves’, como as da Fox no domingo (11/9), mostrando a emoção e alegrias no reencontro de famílias separadas pelo furacão, os EUA tentam voltar ao normal. As TVs de lá, dentro do espírito de que ‘os negócios não podem parar, anunciam para esta terça-feira (13/9), a reabertura do Aeroporto Internacional Louis Armstrong, em Nova Orleans. Mas, agora, o encanto da velha cidade-berço do jazz e do blues, parece estar perdido em alguma dobra de um tempo distante.

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Jornalista, integra a Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul