Publicou-se no Brasil, em julho, um livro do cubano Raúl Rivero, Provas de Contato (Barcarolla). Na orelha, o jornalista William Waack escreveu:
“Talvez Raúl Rivero tenha sido preso por não se preocupar em contar para o resto do mundo as versões oficiais que o regime cubano gosta de propagar. (….) Talvez tenha sido encarcerado, como dezenas de outros escritores e jornalistas cubanos, por parecer tomado da preocupação em dar voz aos que são calados ou tratados como `vermes´– gente simples, que roubou um quilo de carne, ou a auxiliar de enfermagem que se prostitui”.
Rivero é portanto um “dissidente”, para usar linguagem do tempo da Guerra Fria (o termo era usado tanto na União Soviética, para os que contestavam o regime, como nos Estados Unidos, para os que divergiam do chamado “american way of life”).
Quando o presidente Lula foi a Cuba, em setembro de 2003,a situação de Rivero chamava a atenção, o que foi noticiado com toda a clareza pela Folha de S. Paulo:
“A visita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fará ao seu amigo Fidel Castro em Cuba, dia 26, mobiliza um grupo de brasileiros interessados em fazer chegar-lhe um apelo dramático.
Eles querem que Lula e Frei Betto, assessor do presidente que o acompanhará na viagem, peçam a Fidel que liberte o jornalista e poeta Raúl Rivero, condenado sumariamente a 20 anos de prisão em março por exercer livremente a profissão de jornalista. Diabético e com 58 anos, ele não resistirá à detenção, dizem os amigos”.
Uma campanha feita na Europa conseguiu sua libertação e ele vive hoje na Espanha.
A proeza dos jornais brasileiros consistiu em fazer resenhas do livro de Rivero sem mencionar o fato de que o presidente Lula evitou interceder junto a Fidel Castro por Rivero e pelos demais presos. Evitou criticar a supressão das liberdades democráticas em Cuba.
Na mesma semana em que saiu no Brasil o livro, a Veja chegou a dar uma entrevista nas páginas amarelas na qual a atitude de Lula foi esquecida. E a Veja não chega a ser simpática a Lula.
Em sua maior parte, a crítica literária na imprensa brasileira está subordinada à agenda das grandes editoras e perdeu sua combatividade.
Havia muito a destacar no livro.
Uma passagem brilhante está n a crônica da visita do papa João Paulo II a Cuba, em 1998:
“De todas as frases célebres que Karol Woytila disse em Cuba, há duas que permanecem na consciência do cubano das ruas, do homem de bicicleta e caderneta de racionamento.
Uma é: `Que Cuba, com todas as suas magníficas possibilidades, se abra para o mundo´. Os mais agudos e radicais imediatamente emendaram a página do chefe da igreja católica propondo este acréscimo: `Que Cuba se abra para Cuba´”.
Outra passagem:
“Falo desses assuntos porque a obscuridade, o silêncio, os pseudônimos, as máscaras e a distância constituem o paraíso dos verdugos de todos os tempos.
Daí a importância não da transparência, que sempre pode demonstrar algo de irreal e fora de foco, mas da nudez, da luz absoluta em cada encruzilhada das sociedades modernas, onde os intolerantes, os prepotentes,os corruptos, os dogmáticos e seus serventes imponham sua vontade.
A presença de uns sujeitos impertinentes com suas câmeras e suas perguntas, o anúncio apenas de sua chegada, dispara um alarme nos infratores de todas as categorias. Porque poderão delinqüir, acossar, oprimir e esmagar, mas terão sido fotografados, descritos e fixados em seus gestos terríveis.
O jornalismo não é uma missão de Deus. Mas uma comunidade ou um país sem imprensa livre pode se transformar em um acampamento militar (….)”.