Quandos deputados federais poderiam, em tese, perder as suas cadeiras por terem mudado de legenda depois de 27 de março, quando a Justiça Eleitoral decidiu (e o STF confirmou) que os mandatos pertencem aos partidos e não aos mandatários?
Depende.
Mas não dos motivos em que você possa pensar:
Interesse, ou não, dos partidos prejudicados em entrar com ação judicial para reaver as vagas perdidas;
Aptidão dos infiéis em provar, nos processos abertos contra eles, que mudaram de agremiação ou porque ela mudou de linha, ou porque eram discriminados lá dentro – as únicas situações em que o Supremo admite a infidelidade;
Cabeça dos juízes responsáveis pelo veredicto.
Tudo isso é verdade, mas, para começo de conversa, o número de deputados sujeitos a ficar sem os mandatos depende do jornal que você lê. E até da página do jornal que você lê.
Considerando apenas Folha, Globo, Estado e Valor, o total varia de 15 a 19.
A variação mais variada é a do Estadão de hoje: são 15 na página 3, 19 na página 4 e 17 na página 8.
Que raio de jornalismo é esse, incapaz de apurar direito um dado tão singelo como esse?
Perdõem os que já conhecem a história, mas era uma vez, na Idade Média, um grupo de teólogos que discutiam quantos dentes tem um cavalo. Uns, citando Aristóteles, diziam que só poderiam ser tantos. Outros, invocando Tomás de Aquino, diziam que só poderiam ser quantos. Um campônio que acompanhava a douta controvérsia, pediu licença para sugerir que abrissem a boca do bicho e contassem. Foi escorraçado como ignaro e analfa.
No mundo moderno, na ciência moderna, no jornalismo moderno, deixam-se de lado as especulações das sumidades e contam-se os dentes dos cavalos.
Ora, dirá o leitor para quem político é tudo farinha do mesmo saco, neste caso específico tanto faz como tanto fez.
Coisíssima nenhuma. O problema não são os políticos. O problema são os jornalistas. Quando a imprensa não consegue se entender sobre um fato objetivo, perfeitamente caracterizado, qualquer que seja a sua importância ou o juízo que se faça sobre ele, é infiel ao público que a sustenta.
A pretensão à credibilidade é como uma escada. Se o primeiro degrau já cede, melhor nem continuar a subida.