Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os políticos e nós outros

No espaço em que o senador José Sarney escreve as suas abobrinhas para a Folha de S.Paulo (às sextas-feiras, na página A2), a senadora Marina Silva, que o ocupa às segundas, tratou esta semana de uma questão de que a imprensa passa ao largo enquanto apura, divulga e ecoa casos de corrupção política.

Trata-se da ambiguidade de uma parcela presumivelmente alta da população brasileira diante da ética. O gancho da senadora são os resultados de uma consulta do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), respondida por um formidável contingente de 500 mil pessoas, para definir o tema central do relatório de 2010 sobre desenvolvimento humano no Brasil.

O colunista Clóvis Rossi – salvo engano o único nos jornalões a se ocupar do assunto, no último dia 15 – considerou “absolutamente surpreendente” que a maioria das respostas à pergunta “O que deve mudar no Brasil para sua vida melhorar de verdade?” tenha externado uma demanda por valores como respeito, justiça, honestidade, ética.

No seu comentário, a senadora destacou a importância desses valores, “na alma dos brasileiros”, como base para a solução das suas carências materiais (saúde, educação, emprego, segurança etc). Mas não se trata, diz ela, “de colocar no pedestal a sociedade supostamente virtuosa contra um território vicioso, que seria o da política”.

Meses de revelações sobre malfeitos no Senado, o “território vicioso” da atual temporada, não parecem ter motivado a imprensa a abordar também o que Marina considera “enormes contradições” entre o que se entende ser o correto “e o que de fato se pratica”.

A omissão contribui, não pela primeira vez, para apartar o comportamento dos políticos aproveitadores do dinheiro público do modo de proceder que pode ser identificado a olho nu no cotidiano da vida brasileira. Nessa discriminação às avessas, o relato de suas malandragens como que nos absolve das nossas. Os jornais não incomodam os seus leitores e estes desfrutam do espetáculo continuado das denúncias contra os suspeitos de sempre.

É bom deixar claro que a imprensa está fazendo a coisa certa ao revelar o que a Folha de domingo contabilizou como 32 casos escandalosos no Congresso Nacional divulgados a partir de fevereiro. É mendaz a alegação de Sarney de que, no centro de tudo, está “uma campanha pessoal” contra ele, iniciada pelo Estado de S.Paulo, “obrigando os outros jornais e televisão a repercuti-la”.

Não a repecutiriam se não tivessem fundamento. A Folha, que por razões que os seus leitores apenas podem imaginar tem o rabo preso com o senador, dificilmente poderia desejar algo tão conveniente como a oportunidade de acudí-lo e, ao mesmo tempo, deixar mal o concorrente.

Aliás, justiça se faça ao jornal. O sarneyismo dos Frias não amordaçou nem os seus repórteres, nem os seus colunistas. A Folha publicou pelo menos seis matérias que expuseram casos de patrimonialismo, política de cientela e tráfico de influência do senador. Menos do que o Estadão, sem dúvida, porém mais do que em outros tempos os barões da mídia deixavam fazer com os “amigos da casa”.

A Folha foi a primeira a dar, na edição de 28 de maio, que Sarney, entre outros colegas, vinha recebendo auxílio-moradia de R$ 3.800, embora resida em imóvel próprio (aquele que depois o Estadão descobriria não ter sido declarado à Justiça Eleitoral) e, como presidente do Senado, disponha de residência oficial (aquela que o seu filho Fernando é suspeito de ter usado para intermediar negócios de uma construtora com a Caixa Econômica Federal).

O que há para criticar na imprensa não foi o que ela divulgou das lambanças dos políticos. Foi o que ela não deu enquanto isso – na cobertura do Congresso, de um lado, e, de outro, sobre a possível relação entre os escândalos que se sucedem e a “cultura da transgressão” na sociedade brasileira.

P.S.

O recesso chegou, mas nem por isso o Estadão baixou a bola. Domingo, reconstituiu a história de um trem da alegria na gráfica do Senado que data de 1991. Mas é atual porque foi uma das primeiras operações que se podem atribuir a Agaciel Maia, antes ainda de Sarney nomeá-lo diretor-geral da casa.