Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ministério Público e a cobertura da TV Globo

Em ‘Verdades e mentiras sobre o MP de Ribeirão Preto’, artigo publicado na edição passada do Observatório da Imprensa [remissão abaixo], o repórter Evandro Spinelli, escreve:

‘Mentiras ditas muitas vezes acabam se tornando verdade. A máxima atribuída ao ministro da Propaganda do nazismo Joseph Goebbels não é totalmente verdadeira no Brasil atual, onde a mentira dita apenas uma vez – desde que em rede nacional e em horário nobre – é transformada automaticamente em verdade’.

Mais adiante, conclui:

‘Não é verdade que o depoimento [do advogado Rogério Buratti] foi narrado por um promotor que a cada cinco minutos saía da sala onde ocorria a oitiva para contar o que havia sido dito’.

Se Spinelli se referia ao Jornal Nacional, esclareço que quem mente é o autor do artigo. Na reportagem exibida naquele dia, o repórter Dirceu Martins, diz o seguinte:

‘Rogério Buratti chegou às 8h30 da manhã à Delegacia Seccional de Ribeirão Preto. Um dos promotores interrompeu o depoimento várias vezes para dar entrevistas’.

Portanto, o repórter jamais disse que o ‘depoimento era interrompido a cada cinco minutos’. Resta saber se o depoimento foi interrompido ‘várias’ vezes. O próprio Spinelli nos informa:

‘O promotor Sebastião Sérgio da Silveira, sim, saiu três vezes da sala para passar informações’.

Dizer que foram várias vezes, portanto, não é uma impropriedade. Ainda mais que os promotores Naul Felca e Henrique Pacini, em outros momentos, também deram entrevistas.

Mas Spinelli insiste: não teria havido interrupções no depoimento de Buratti:

‘Uma das críticas que se faz é que ele deveria ter esperado a conclusão do depoimento antes de passar as informações. Crítica justa. Só faltou apuração. As informações só foram passadas mesmo ao fim de cada depoimento. Só que eram três, sobre três fatos completamente diferentes. Por isso, três declarações à imprensa em três momentos distintos’.

Não faltou apuração alguma. Diante do que o promotor disse nas entrevistas, essa explicação não se sustenta. Nenhum repórter ali presente poderia supor outra coisa senão que o promotor falava à imprensa enquanto, lá dentro, Buratti continuava a depor. Leiam trechos das entrevistas do promotor naquele dia. Notem que ele usa e abusa do gerúndio. Vejam a transcrição de trechos da entrevista dada por volta das 10h30 (são trechos escolhidos em ordem cronológica da íntegra da entrevista):

Promotor – ‘Gente, o depoimento tá iniciado. Ele de fato cumpriu com aquilo que havia prometido e tá delatando todo o esquema. Tudo aquilo que a gente imaginava é verdade. Tá contando a participação de todos os prefeitos… Contou inclusive a participação de Ribeirão Preto, onde havia um pagamento mensal e nas outras prefeituras da região também onde ocorria a mesma coisa’.

Repórter – ‘ Há outras empresas envolvidas?’

Promotor – ‘Por hora ele está falando da Leão Leão, né? E nós estamos tratando especificamente de cada um dos municípios da região’.

Repórter – ‘Qual é o valor total do dinheiro repassado?’

Promotor – ‘Só tamos começando ainda. Só tamo começando ainda… Não dá precisar… Eu sei que muita coisa… Ele inclusive adiantou que quer falar novamente da GTech… Que vai falar a verdade agora e enfim…’

Repórter – ‘E sobre os outros prefeitos?’

Promotor – ‘Já começou a falar. Nos tamos prefeitura por prefeitura. No momento tamo falando agora da segunda, que é Matão.(…)

‘(…) É… Ele tá colaborando. A verdade é que ele tá falando tudo e o que ele fala está de encontro com as outras provas que a gente tem’.

‘(…) Em todas as cidades, que ele mencionou até agora, havia envolvimento e pagamento mensal para os prefeitos. E esses pagamentos variavam de 5 a 15 %’.

‘(…) A idéia que ele nos passou até agora é que tudo era acertado antes entre os concorrentes e a própria administração’.

Por volta das 13h30, o promotor reaparece. Vejam outros trechos, escolhidos da íntegra:

Promotor – ‘Agora ele esclareceu o seguinte: houve financiamento para a campanha do Lula do grupo do jogo de São Paulo e do grupo do jogo do Rio de Janeiro. O grupo de São Paulo os recursos teriam sido angariados pelo Barquete e no Rio de Janeiro, possivelmente, pelo Waldomiro Diniz.’

Repórter – ‘Ele citou o Zezinho Gimenez?’

Promotor – ‘É… Nessa hora eu não estava na sala… Eu não ouvi.’

Repórter – ‘Quais são os próximos passos hoje? Ele continua sendo ouvido?’

Promotor – ‘Continua sendo ouvido agora, no último inquérito que é de lavagem de dinheiro’. (…) Esses outros detalhes, o doutor Valencise depois vai dar outra entrevista e vai esclarecer todos esses detalhes pra vocês… É que eu não fiquei todo tempo dentro na sala… Precisei sair muito, atendendo principalmente o procurador-geral, né? Que tá acompanhando tudo lá em São Paulo…’

Repórter – ‘Já tem cópia do depoimento?’

Promotor – ‘Já tem. Desses dois primeiros já tem (…)’

Repórter – ‘O depoimento de Rogério Buratti continua no período da tarde?’

Promotor – ‘Continua agora. É a última parte. O terceiro interrogatório do dia. E agora é relacionado à possível lavagem de dinheiro.’

Poderia aqui continuar a citar outros trechos, mas estes bastam. Qualquer repórter, diante de tantos gerúndios, teria a certeza de que o depoimento continuava lá dentro enquanto o promotor ia lá fora prestar esclarecimentos à imprensa. Se, tecnicamente, eram vários interrogatórios, isso é um firula jurídica. Em muitos trechos fica claro que o promotor diz, sobre um mesmo assunto, que o tema ainda está sendo esclarecido pelo depoente lá dentro. Portanto, mesmo em relação a um certo tema, o depoimento continuava sendo prestado enquanto o promotor estava dando a entrevista.

Foram legítimas as entrevistas? Foi correta a atitude do promotor? A mim não cabe responder. Ao jornalismo da Globo cabe relatar o que aconteceu. Se, mais tarde, houve críticas ao comportamento do promotor, o jornalismo da Globo as registrou, como é sua obrigação. Se, depois, o promotor se defendeu, o jornalismo da Globo registrou a defesa. O jornalismo da Globo não emitiu opinião sobre o comportamento do promotor, não o criticou, não o elogiou. Isso não nos cabe.

Houve um erro no nosso trabalho. Erradamente, o Jornal da Globo creditou as imagens do depoimento de Rogério Buratti como tendo sido cedidas pelo Ministério Público. Não foram. E corrigimos na edição seguinte o nosso erro. Com todas as letras. Como é a nossa obrigação.

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Diretor-executivo de jornalismo da Rede Globo