Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mercedão explica melhor o mensalão

A importância da matéria de capa da nova edição da revista Época, sobre o “homem da mala” João Cláudio Carvalho Genu, vulgo “João Mercedão”, se for verdadeira, é maior do que pode parecer à primeira leitura e maior do que lhe foi dada pelos jornais de hoje.

Mercedão é chefe de gabinete do líder do PP na Câmara, José Janene. Ele seria o responsável pelo pagamento de mesada aos deputados pepistas que a recebiam. A origem do dinheiro seria endógena: não repassada pelo PT, mas extraída das cobranças sistemáticas de propina em estatais – descontada, aparentemente, a espécie de comissão cobrada por Genu (apesar do salário de R$ 7.800, dono de imóveis de luxo e de uma pequena frota de carros, alguns importados, daí o Mercedão).

O PP não tem ministros no governo Lula. Mas tem diretorias na Petrobrás, Furnas, Instituto de Resseguros do Brasil e Agência Nacional de Vigilância Sanitária, segundo a Época.

Também segundo a Época, uma fonte ligada ao PP explicou didaticamente que o que partido quer mesmo não são Pastas, mas cargos, tipo diretorias financeiras, que proporcionem a “liberdade de fazer negócios com eles”. Essa é a lógica das “más companhias”, de que falou o ministro Olívio Dutra.

O que há de importante na reportagem é que ela permite formular no mínimo uma hipótese: a compra de políticos para que mudassem de partido e votassem como queriam os compradores existiu (ou existe), em amplitude indeterminada e frequência que pode ter sido ou não mensal, mas ou o PT não tem nada com isso – delubianamente falando – ou tem menos do que diz o deputado Roberto Jefferson.

Em reforço a essa hipótese, há o caso de Goiás, por enquanto o único em que apareceu um político (a deputada tucana Raquel Teixeira) dizendo que, sim, foi procurada para mudar de partido em troca de R$ 1 milhão por ano e R$ 40 mil por mês.

Quem lucra com a engorda

O ponto aqui não são os valores. É a filiação partidária de quem fez o assédio: o PL (na pessoa, ao que se suspeita, do seu líder na Câmara, Sandro Mabel). O PL, além do vice-presidente e de um ministro, também tem cargos que podem se prestar para irrigar um seu eventual caixa 2.

A denúncia goiana (feita pelo governador Marconi Perillo diretamente a Lula) e a da matéria da Época são, para mim, muitíssimo mais críveis do que as do deputado Jefferson. A começar do fato de que ele só as apresentou depois que a Veja expôs o seu envolvimento nos esquemas dos Correios e do IRB.

É verdade que a engorda das bancadas governistas interessava ao governo. Menos deputados do PFL, do PSDB e do PMDB-oposição, principalmente, são mais deputados das bancadas não-petistas da base parlamentar (PL, PP e PTB). Óbvio assim.

Mas interessava também a esses partidos. Primeiro, quanto maiores fossem as suas bancadas, tanto mais numerosos seriam os seus assentos nas comissões e na direção da Casa. Segundo, quanto maiores fossem as suas bancadas, tanto maior ficaria o seu cacife para reivindicar do governo cargos e verbas orçamentárias, permitindo-lhes assim dar mais uma volta no parafuso da apropriação do Estado.

Soa pelo menos admissível, portanto, a existência de um mensalão ou coisa parecida concebido e administrado pelas “más companhias”, com restrita ou nenhuma participação direta do PT.

Só que isso não livra nem a cara do partido, nem a do ex-ministro José Dirceu, acusado por Jefferson de comandar um esquema de corrupção de marca maior.

Não livra porque, no mais caridoso dos cenários, eles faziam de conta que não era com eles, não tendo sido eles os arquitetos do negócio. No mais rigoroso dos cenários, teriam deixado claro que não se oporiam ao florescente mercadão político.

Os dois cenários têm em comum, com certeza, o dado de que a cúpula do PT e o ministro Dirceu sabiam de tudo ou quase tudo que havia para saber – e deixaram o barco correr.

E o presidente? Só posso dizer uma coisa: mesmo quando querem saber dos eventuais podres fora do alcance de suas vistas, nas suas administrações e partidos, prefeitos, governadores e presidentes precisam ser muito, mas muito insistentes para serem atendidos – e ainda assim dificilmente ouvirão toda a verdade e nada mais do que a verdade.

Imaginem então um prefeito, governador e presidente que só quer saber se os fins que lhe interessam serão alcançados, deixando os meios por conta de seus operadores. Nesse caso, eles poderão negar que estivessem a par das suas tramóias, e não haverá detetor de mentiras que os desautorize.

Claro que ficarão estigmatizados como governantes que pisavam nas estrelas, distraídos. Mas geralmente eles acham que esse preço, ao contrário do que seria o outro, dá para pagar.