A grande imprensa, enquanto quarto poder, tem papel importante e ao mesmo tempo dúbio nos embates da democracia. Pode elucidar ou confundir. Pode esclarecer ou emaranhar. Pode dizer só a verdade, com os méritos merecidos de alerta à opinião pública, ou escamoteá-la, a serviço de interesses diversos.
Joga com a informação, manipula o emocional do público, rumina os fatos, esquenta o clima, aumenta a audiência na mídia eletrônica, fatura com anunciantes, faz fervilhar o mundo político, cria mitos ou os destrói sem cerimônia. Com essa prática repetida, mantém satisfeitos os corações sedentos de histórias novelescas, aprisiona personalidades em fatos inexplicados, rearruma razões inconsistentes para dramas nacionais que se arrastam, no caso do Brasil, por dezenas de anos.
As revistas semanais, com destaque para a publicação dos Diários Associados, a revista O Cruzeiro, desde a Velha República passaram a exercer papel diferenciado dos jornais diários. Especializaram-se na busca justificada de jornalismo sério, mas se acostumaram a temperar seus textos com ares de fuxicos de comadre que, embora bem trabalhados e meticulosamente tecidos, travestidos com roupagem investigativa, atuam num limiar frágil entre a informação procedente e os alardes falsos.
Sob a maquiagem de texto reflexivo, sem dúvida, esse gênero de publicação tem grande penetração no imaginário da classe média brasileira, que constitui a grande maioria do seu público-alvo.
Processos de calúnia
As crises da história republicana, em nosso país, podem ser contadas de muitas maneiras, desde as intrigas palacianas, como aconteceu com Getulio Vargas, por exemplo, agonizando nos dias que antecederam sua morte, e as notícias que primaram pela riqueza de detalhes cruéis, sustentando a leitura de um povo que ainda não dispunha do alcance da televisão, naqueles anos da década de 50.
O fato principal é que o imaginário humano se alimenta do sórdido, do quanto se descubra de elementos transgressores ou perversos na vida privada verdadeira ou falsa de políticos, artistas, mitos, desportistas, reis, príncipes e líderes religiosos.
Até que ponto esse conjunto de matérias disputadas a cada fim de semana, no redemoinho de cada crise conjuntural, tem a propriedade de contribuir para desenrolar os novelos da corrupção, oferecendo, comprovadamente, substancial aparato que subsidie a justiça, a aplicação das leis, a retomada do curso normal da vida democrática? Louvável quando nos induz ao esclarecimento dos fatos, e lamentável se soltam fumaças sem chamas.
No afã de informar, vender, denunciar, faturar, as revistas semanais brasileiras têm tido papel reconhecidamente sério, como no episódio da queda do presidente Collor, entre tantos. Mas não se pode perder de vista que algumas notícias rendem processos de calúnia, injúria ou difamação que vão tramitar nos tribunais por longo tempo, dando ganho de causa aos ofendidos, sem entretanto conseguirem estes a devida reparação dos danos morais, que não os pecuniários, a que ficam expostos quando do envolvimento de seus nomes em páginas publicadas no calor da corrida irresponsável ao ouro descoberto pelo quarto poder.
Peneiragem criteriosa
As revistas semanais de maior circulação na atualidade, como pauta de assuntos políticos e nacionais mais importantes, durante a crise política brasileira dos últimos meses, vêm realizando trabalho promocional de capas e conteúdos como se fora o exercício de mandato representativo delegado ex officio, com plenos poderes.
É necessário que a associação representativa da classe empresarial, que tem sob o seu comando as editoras responsáveis por essas publicações, pare e reflita, em conjunto, o seu papel de quarto poder.
Seu mandato precisa ser exercido com consciência de grande brasilidade e desprendimento comercial, para que suas revistas não acabem exercendo as funções de desestabilização, em vez de contribuir com seriedade e civilismo para que a nação possa legislar, executar e julgar, no cenário nacional, com níveis de grandeza e maturidade.
A responsabilidade da comunicação social tem sido objeto de estudo em todo o mundo, tal o poder de persuasão e o nível de influência que sua ação pode desencadear no inconsciente do público, detonando graus crescentes de instabilidade ou insegurança. Uma atitude de autocontrole permanente e responsável é o ideal para que essa avalancha de suposições ou verdades, nem sempre fundamentadas, não venha, após peneiragem mais criteriosa, surpreender por não passarem de fabricação de meros factóides.
Jornalismo e confiança
O risco de denúncias forjadas, fofocas maledicentes, ‘disse-me-disse’ digno de acirramento de ódios pessoais ou ciumeiras humanas infantis não deve tomar o lugar da sobriedade equilibrada. A informação difundida pelas revistas semanais brasileiras não tem o direito de descuidar-se do compromisso com o papel de formador responsável da opinião pública.
Um capítulo sensacionalista a cada semana, provocado pela onda investigativa de cunho denuncista, corre o risco de distorcer propósitos, ocultando as razões que espalham a confusão, disseminando, inclusive, o descrédito, o desânimo, distanciando-se da ética capaz de preservar não só a liberdade de imprensa, mas de exercer junto à população a prestação de um serviço esclarecedor, informando verdades, e não suposições.
O quarto poder tem o compromisso de zelar pelo fortalecimento das instituições conquistadas pela democracia brasileira. O jornalismo das revistas semanais ganhará em qualidade quando considerar que sua imunidade tem mesmo a ver com a notícia capaz de infundir confiança e rumos positivos na história do nosso povo.
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Jornalista e professora universitária, Rio de Janeiro