Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Para os chargistas, FHC vendeu o Brasil

No dia 26 de abril de 2000, Aroeira publicou em O Dia uma charge intitulada ‘Nau sem Rumo’. Na embarcação, intitulada ‘Nau Capitânea’, o piloto diz a Fernando Henrique Cardoso, que sorri faceiro mais ao alto: ‘Presidente, não consigo achar o Brasil…’ Ao que Fernando Henrique Cardoso responde: ‘Claro que não… Eu vendi!’


Santiago também se serve das privatizações como tema de deboche. Dois companheiros de pinga num boteco conversam enquanto bebem um gole. Um deles está despejando a cachaça no copo, tendo no bolso do casaco um exemplar do periódico onde saiu a charge ‘Oi! Menino Deus’, de junho de 1996, e pergunta: ‘E esse negócio de privatização, Pandolfo?’


Como se sabe, se é no município que o brasileiro exerce a cidadania e é lá que os problemas nacionais mais o atingem, é na mesa de bares e botecos que eles ganham expressões criativas, especialmente literárias e artísticas, como é o caso desses luminares da charge, citados no artigo anterior, que sabem conciliar no escrito o dito e o imaginado, que passa a constituir-se em monumento das interpretações epocais.


Pandolfo responde: ‘É sempre assim: pegam uma estatal lucrativa e enchem de pepinos, então transformam num tremendo abacaxi, aí vem a imprensa e diz um monte de abobrinhas que é para venderem a preço de banana.’


Em outra charge, do mesmo Santiago, em navio caracterizado como ‘República Titanic do Brasil’, são jogadas na caldeira estatais como a Vale do Rio Doce, a Petrobrás, a Telebrás, as centrais elétricas etc.


Charges interpretam o Brasil


A charge, caso não seja resgatada em livro, tem vida curta como a crônica, mas tem tido presença indispensável na imprensa brasileira desde o alvorecer de nosso país para a Galáxia Gutenberg no século 19, logo depois da chegada de Dom João VI ao Brasil! Demorou um pouco a consolidar-se como gênero no país, mas já na segunda metade daquele século despontavam chargistas notáveis, como Faria e Pereira Neto, em O Mequetrefe, e V. Cruz e Agostini na Revista Illustrada.


Dois grandes temas tornaram-se referenciais em nossa vida social e política na segunda metade do século 19. Foram a abolição e a República, mas, já na primeira metade do século seguinte, instalava-se no Brasil, no bojo da vitoriosa Revolução de 1930, mesmo depois do refluxo de 1932, com a Revolução Constitucionalista, a Era Vargas, dominada pelo ‘humor a favor’. Getúlio Vargas, conquanto ditador, sob qualquer prisma que se o contemple no Estado Novo (1937-1945), sorria do alto de sua imensa popularidade e o ‘retrato do velhinho’ estava ao lado de crucifixos em repartições públicas e à cabeceira de muitas camas de casal do operariado. Ele era como que um santo da família, canonizado pelo povo.


As charges aqui citadas têm como referência o projeto do governo Fernando Henrique Cardoso de desmontar a Era Vargas, que começa ainda quando ministro da Fazenda de Itamar Franco privatizando a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD).


Na Era FHC, mais uma vez as charges interpretaram o Brasil!

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Escritor, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, professor, pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa)