O diretor da Central Globo de Comunicação, Luiz Erlanger, fez chegar ao Observatório da Imprensa a mensagem abaixo, em resposta ao tópico “Globo e SBT fazem campanha oblíqua”.
São necessários alguns reparos preliminares.
1) Não me parece conveniente personalizar a discussão. Porque jornalista não gosta de ser notícia e, principalmente, porque distrai a atenção do leitor para algo que é secundário. Mas vai uma exceção à regra: Erlanger certamente não se lembra, mas eu deixei de fumar em setembro de 1983, quando, se não me falha a memória, éramos colegas na redação do Globo. Desde então, não escolho mais nenhum cigarrinho. E, se o fizesse, não seria pela televisão, proibida há anos de exibir propaganda de tabaco.
2) Não subscrevo o tom agressivo usado por Erlanger. Fica-se com a tentação de responder no mesmo estilo. Se a conversa segue por aí, quem paga o pato é o leitor.
3) Erlanger dá um peso excessivo à publicidade, mas o que está em discussão é a qualidade da programação de televisão exibida em horário livre, ou para crianças. Não tenho nada contra a atividade publicitária. Ela deve, porém, seguir bons padrões. Como se requer da televisão aberta e dos demais veículos de comunicação.
4) O diretor de Comunicação da Globo alude a uma consulta feita por mim via correio eletrônico e respondida pelo mesmo canal. Entre parênteses, queixa-se de não ter sido avisado da finalidade da consulta, o que me parece uma reclamação injusta. Quando um repórter apura, não diz às fontes como escreverá seu texto. A pergunta foi clara. A finalidade era evidente. Houve menção explícita à portaria preparada pelo Ministério da Justiça (a qual, hoje fui informado, dificilmente será publicada). A resposta pôde ser, assim, inequívoca: “Sim”, confirmação seguida de breve argumentação.
Aqui vai a reprodução dessa correspondência. Uma das tarefas do Observatório da Imprensa é, na medida de suas possibilidades, tornar mais transparentes os métodos de trabalho no jornalismo.
Pergunta:
“Nos últimos dias tenho visto com grande freqüência um filmete institucional, exibido na rubrica de Cidadania, sobre o papel dos pais na seleção da programação televisiva que pode ou deve ser vista pelos filhos. Tem uma menina de franja com olhos vendados por sucessivas mãos e diz que os pais são quem de fato decide isso (não me lembro do texto exato). Fala da programação exibida gratuitamente pela televisão aberta. O Ministério da Justiça prepara uma portaria sobre classificação indicativa na televisão aberta.Pergunto a você se existe alguma correlação entre os dois fatos.”
Resposta:
“Sim, nós achamos que os pais devem observar a classificação etária e defendemos que existam até outras do gênero. Mas o nome é indicativa justamente porque a censura, prévia ou posterior, é proibida na nossa Constituição e os pais não devem transferir para o Estado o direito de escolher o que é bom para seus filhos. Ok?”
5) Um passarinho me contou que há uma discussão na internet entre roteiristas de novelas de diversas emissoras. Nessa discussão, todos se põem em guarda contra a censura, mas alguns consideram pertinente discutir o assunto, porque se trata de veículo de massa, porque se trata de concessão pública, porque no horário das crianças os pais estão fora, trabalhando, porque os meios de comunicação influem na formação de hábitos e conceitos.
Eis o texto de Luiz Erlanger:
“É compreensível que, como boa parte da nossa elite, Mauro Malin sinta necessidade de generalizar seu desprezo pela cultura de massa ou que vincule, necessariamente, o popular com falta de qualidade.
Ou que desconheça que só existem três modelos de televisão aberta no mundo:
1) A paga diretamente pelo telespectador – como nos EUA para a iniciativa privada, ou como na Inglaterra, onde o cidadão, por aparelho de televisão em casa, assistindo ou não à programação, paga 131.50 libras esterlinas por aparelho ‘colorido’ (cerca de R$ 547) e 44 libras esterlinas por ‘preto e branco’ (cerca de R$ 183). Grátis para cidadão com mais de 75 anos e pela metade do preço para cegos (!).
2) As televisões públicas, também pagas pelo cidadão-contribuinte através dos seus impostos, seguindo orientação editorial de governos.
3) O modelo brasileiro – financiado pela iniciativa privada, através de publicidade. O Mauro, dentro do espírito moralista da sua tese, considera que ver anúncio é uma taxa indireta.
É do time de intelectuais que acha que as pessoas – que têm poder aquisitivo – compram as coisas mecanicamente, impulsionadas pela telinha.
Ele, certamente, jamais usou publicidade para fazer suas escolhas consumistas. Certamente as suas compras são baseadas em princípios morais, ecológicos, existenciais e humanitários. Mas fico em dúvida como chegou à sua cervejinha, ao cigarrinho, ao seu desodorante ou marca de carro preferido.
A gente sabe que a elite – na qual os jornalistas se incluem, ainda mais num país como o nosso –, que pode comprar jornal, livro, CD, DVD, Ipod, cinema, teatro e, quem sabe, dar um pulinho a Nova York ou Paris, acha chique desprezar a televisão aberta, acessível a toda população.
Embora na França hoje esse veículo seja reconhecido como importante fator de preservação da cultura e da identidade nacional, por aqui pega mal, nas grandes rodas, confessar que vê novela, que achou graça na Grande Família ou achou interessante a série sobre saúde pública, filosofia, astronomia, economia, meio ambiente etc. no Fantástico. Este, nem para ver os gols da rodada. Já pensaram? Televisão aberta & Futebol… Esqueça a religião, Mao: isso é que é o ópio do povo.
Mas, sinceramente, achava meio fora de moda demonizar publicidade. É verdade que, na faculdade, tipo década de 70, a gente do Jornalismo ainda implicava com a galera da Publicidade, mas, data vênia Presidente Lula, com os cabelos ficando grisalhos ou caindo mesmo, nem a Madre Tereza de Calcutá (que fazia seu marketezinho, de leve) excomungaria esse pessoal.
Resumindo, é permitido produzir e aceitável consumir. Mas anunciar não vale. Isso nem de longe pode ser visto como um direito de escolha, de uma base para fazer valer o direito do consumidor.
Fico imaginando se hoje, de vez em quando, você chicoteia as costas ou usa cilício sob o jeans ianque para se purificar das vezes que serviu de redator para projetos comerciais…. Vade retro!
Vale ainda registrar que das 45.000 empresas que anunciam por ano na Rede Globo por todo o país, 94% investem menos de R$ 50 mil por ano!
Se isso demonstra uma concentração econômica entre anunciantes, também transforma a televisão aberta num veículo fundamental para as pequenas e médias empresas. Que, como se sabe, são as grandes empregadoras e distribuidoras de renda no Brasil.
Ou seja, é o pequeno empreendedor, milhares que empregam dezenas de milhares, buscando canais para vender suas mercadorias.
Uns consideram isso um estímulo ao crescimento do país.
Aqui, pelo visto, é o mercado consumidor liberal-capitalista vampirizando toda uma nação.
Em seu livro Elogio do Grande Público, o pensador francês Dominique Wolton tem coragem de questionar a intelectualidade que acha que a população que, de quatro em quatro anos, vai à urna eletrônica para escolher os seus políticos-governantes se transforma em turba ignara quando se trata de controle remoto.
Sobre o que escrevi acima, vai ter gente achando um discurso típico de um vendido ao sistema, talvez alguém se sensibilize com alguma coisa, ou mesmo – quem sabe? – arrume um ou outro cúmplice.
Mas a questão fundamental, a que mais enfatizei na breve resposta ao correio do Mauro (que sequer dizia para o que era a sua consulta), foi justamente a que ele omitiu: é um perigo transferir para o Estado a decisão do que você e sua família podem ver.
Por mais que sejam bem-intencionados, isso é um risco enorme.
Começa com televisão, já chegou aos cinemas.
A Agência de Fiscalização Sanitária tem na gaveta uma série de medidas para controlar o conteúdo editorial de jornais – especificamente em reportagens (atenção, não é publicidade: é informação) sobre temas como fumo, remédios e alimentação.
Mauro, não está satisfeito: desliga televisão. Manda a babá ou a empregada desligar.
Vende ou quebra o aparelho.
Mas mantenha o direito de escolha do cidadão, o livre arbítrio, a democracia, enfim, ligada. Luis Erlanger.”
Ler também ‘Especialista defende classificação indicativa‘.