Nem de longe esse post pretende perseguir os controladores das Casas Bahia, mesmo porque o jornalista responsável por esse blog não quer ter seu crédito anulado por antecipação nas lojas da rede. Além disso, é sempre recomendável desconfiar do que se lê e vê em vários dos grandes veículos de informação do Brasil.
Trata-se, apenas, de dar prosseguimento ao post de ontem, quando foi sublinhada mudança de comportamento dos jornais e das emissoras de televisão na repercussão a duas denúncias veiculadas pela revista Veja desta semana.
A primeira delas segue a escrita. Assim como a revista, todos os demais órgãos de imprensa manteve o manto de proteção sobre o marqueteiro Nelson Biondi, ex-sócio de Duda Mendonça. Biondi foi um dos principais conselheiros do prefeito de São Paulo, José Serra, nas eleições presidenciais de 2002. Até o momento, nenhum veículo deu um pio sobre o assunto.
A segunda anotação do post referia-se à súbita preguiça dos jornais e da televisão em confirmar a informação trazida pela revista de que Samuel e Michael Klein, controladores das Casas Bahia, foram clientes de tradicionais lavanderias de numerário para envio irregular de dinheiro para o exterior.
Nesse caso, o silêncio foi quebrado – mas não se toca na denúncia. Está na coluna de sociedade da jornalista Mônica Bergamo, Folha de S.Paulo, na nota que abre a página, com as seguintes palavras:
FAMÍLIA S.A.
Michael Klein, das Casas Bahia, Ivan Zurita, da Nestlé, Carlos Tilkian, da Estrela, Mario Cesar Araujo, da TIM, Nicolas Fischer, da Nivea, e José Maria Parra, da Purina, são alguns dos nomes já confirmados no ‘Family Workshop’, que a Doria Associados faz de sábado ao dia 24, em cidade no interior de SP.
O evento reúne 140 presidentes e executivos de grandes empresas do país e suas famílias. Juntos, debatem o tema ‘Formando Líderes e Sucessores’.
A nota é das mais curiosas, pois nenhuma das empresas relacionadas tem administração familiar – com exceção das Casas Bahia.
As colunas sociais e de mexericos são as mais férteis para plantio de notícias que se queira divulgar. Quase tudo dá, dependendo da eficiência da assessoria de imprensa ou das relações de amizade que se tenha com os donos ou diretores dos jornais. É também o espaço predileto dos jornais para mimosear amigos e personalidades, de empresários vaidosos a publicitários que decidem onde aplicar a verba do cliente. A bem da verdade, a coluna de Mônica Bergamo está entre as menos sensíveis a esse tipo de adulação – o que não significa que esteja imune a contrabandos como o da nota reproduzida acima. Quanto menor for o poder econômico e a credibilidade dos jornais e revistas, maior é a gandaia oculta nas notas sociais.
Um exemplo de como é fácil plantar notícias está na reportagem ‘Um artista ‘genial’. E ele nem existia’, do O Estado de S.Paulo de hoje. O texto conta como a imprensa de Fortaleza, a capital do Ceará, embarcou em uma série de mentiras bem amarradas em torno da chegada à cidade dos trabalhos de um ‘revolucionário’ artista plástico de transcendência mundial:
Convidado especial da curadoria do Museu de Arte Contemporânea do Ceará, Geijutsuka mostraria ao público cearense por que seu trabalho é aclamado em todo o planeta como uma obra revolucionária que, segundo o material de divulgação de sua eficiente assessoria de imprensa, incorpora ‘novos conceitos à arte’, como os de ‘operação em tempo real, simultaneidade, supressão do espaço e imaterialidade’. Os jornais locais deram amplos espaços para a divulgação da exposição. Um deles chegou a publicar, no dia marcado para a abertura do evento, uma entrevista de página inteira com Geijutsuka. Tudo perfeito, não fosse um detalhe: Souzousareta Geijutsuka não existe.
A idéia de inventar o tal japonês que – segundo informava um jornal de Fortaleza – ‘conquistou fama mundo afora por unir arte, ciência e tecnologia’ partiu de um jovem artista de 23 anos, Yuri Firmeza, paulistano radicado na capital cearense desde a infância.
(…)
Yuri deixou algumas pistas propositais, que não foram decodificadas pelos jornalistas. Em japonês, Souzousareta Geijutsuka significa exatamente ‘artista inventado’. E o nome da exposição, Geijitsu Kakuu, pode ser traduzido como ‘arte e ficção’. No material de divulgação repassado à imprensa, dizia-se ainda que o suposto artista havia criado a fotografia ‘Shiitake’, nome do cogumelo que pode ser encontrado em qualquer restaurante japonês, mas que foi definida por sua ‘assessoria de imprensa’ como uma ‘técnica que permite a captação dos fenômenos invisíveis ocorridos na atmosfera’.
No dia da abertura da anunciada exposição, em vez das obras revolucionárias de Souzousareta Geijutsuka, o público deparou-se apenas com uma série de e-mails pregados na parede da sala reservada ao evento pelo museu. Nas mensagens, Yuri Firmeza e um amigo trocavam idéias sobre arte contemporânea e discutiam animadamente a obra de autores como Gilles Deleuze, Antonin Artaud e Pierre Bordieu. Dessa troca de e-mails é que surgira a idéia de criar um artista imaginário. ‘O que me interessa é interrogar sobre a qualidade do que compõe todo esse sistema de legitimação estética: críticos, jornais, artistas, curadores, galerias, museus e o próprio público’, escreveu Firmeza em uma dos e-mails ao amigo. ‘Não sei como será a receptividade em relação ao Geijutsuka, mas acredito que suscitará saudáveis desconfortos’, previa.
Dito e feito. Revelado o simulacro, a reação da imprensa cearense foi violenta. Yuri Firmeza foi chamado de ‘moleque’ pelos jornais e foi alvo de editoriais indignados.