Muitas pessoas acham que o passado ilumina o presente. Não há dúvida de que o homem não tem outro referencial senão o passado. O futuro, por definição, não pode ser referencial.
Mas também o presente, na sua totalidade em ato, é inescrutável.
A mídia finge que dá um relato do real, trabalhando com algumas categorias (política, economia, cidade, saúde, esporte, etc.). Nem sempre estão bem calibradas. A rigor, cada vez menos. Em 12/11, o blogueiro vizinho Carlos Castilho (Código Aberto) escreveu a respeito um tópico importante: “Além das notícias, é essencial avaliar também a agenda da imprensa”.
O problema é que o passado é quase tão inescrutável quanto o presente. E, como se sabe, o presente acaba iluminando o passado. É o que se tem chamado de “releituras”.
Releituras nem sempre benfazejas. No site Periodistadigital.com, apresentado como “jornal dos jornalistas”, o jornalista Carlos Carnicero, entrevistado a propósito dos 30 anos da morte do ditador espanhol Francisco Franco, no próximo domingo (20/11), aponta que “não se pediram contas aos jornalistas que haviam colaborado com a ditadura”. Como resultado, esses sobreviventes, muitos deles bem instalados em meios de comunicação, promoveram ao longo dos anos uma edulcoração da realidade do franquismo.
Na Alemanha não aconteceu isso, mas jornalistas servidores do nazismo continuaram em seus postos depois da guerra. No livro Meu Século, Günter Grass situa os capítulos dedicados aos anos de 1939 a 1945 em 1962, num encontro de antigos correspondentes de guerra nazistas, alguns dos quais tinham se tornado chefões da mídia na Alemanha.
Antonio Candido relata (Recortes, 1993) que “naquele tempo [1943/44, últimos anos da ditadura do Estado Novo], Drummond difundia os seus poemas políticos impublicáveis por meio de cópias remetidas aos amigos; estes, por sua vez, as multiplicavam e elas corriam o país, dactilografadas e mimeografadas. Assim se espalharam: ´Depois que Barcelona cair´; ´Carta a Stalingrado´; ´Telegrama de Moscou´; ´Com o russo em Berlim´; ´Mas viveremos´; ´Visão 944´- recolhidos mais tarde em A Rosa do Povo, menos o primeiro”.
Quem, hoje, sem ter passado por uma ditadura, poderia imaginar Drummond proibido?
Para voltar à morte de Franco, uma nota cômica. Ele teve uma agonia longa, acompanhada pela imprensa. A certa altura, Ziraldo fez no Jornal do Brasil uma charge antológica. No leito de moribundo, cadavérico e coberto de teias de aranha, jaz o ditador. Em volta, alguns puxa-sacos. “O que vocês vieram fazer aqui?”, pergunta Franco. “Viemos nos despedir”, respondem. “Por quê? Vocês vão viajar para algum lugar?”