Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O trabalho da mulher nas áreas de conflito

Milhares de homens bloqueavam a rua, cercando o veículo do ministro do tribunal superior do Paquistão, considerado no país um herói por enfrentar o regime dos militares. Como correspondente a serviço do Chicago Tribune, eu sabia que não poderia simplesmente observar a cena das janelas do carro da reportagem. Eu tinha de ir para a rua.


Assim, usando um véu preto e uma folgada túnica sobre o jeans, abri caminho em meio à multidão e comecei a tomar notas: sobre os homens que arremessavam pétalas de rosa, sobre os homens gritando que estavam dispostos a morrer pelo ministro. E então, de modo quase previsível, alguém apertou minha bunda. Dei meia volta e gritei, mas então aconteceu outras vezes, até que agarrei a mão de um dos abusados e dei-lhe um soco na cara. Os homens continuaram a me agarrar. Eu segui distribuindo socos. Num certo momento fui convidada a entrar no carro do ministro do tribunal.


Na época, em junho de 2007, enxerguei o episódio apenas como uma das realidades de se cobrir as notícias no Paquistão. Não me queixei a meus superiores. Se o tivesse feito, isso só teria me conferido uma aparência de fraqueza. Em vez disso, transformei o caso em piada e tirei algo de positivo daquela experiência: estão vendo, o fato de ser mulher me ajudou a entrar em contato com o ministro.


E devo reconhecer que tive sorte. Conheço outras correspondentes que foram molestadas em seus quartos de hotel, ou tiveram as roupas parcialmente arrancadas por multidões. Eu jamais contaria algo assim a meus chefes por medo de que eles me mantivessem em casa na próxima vez que algo importante ocorresse.


Lição errada


Não fui a única a manter o silêncio. A Comissão de Proteção a Jornalistas pode dizer que 44 jornalistas foram mortos em 2010 por causa de seu trabalho, mas o grupo não acompanha as estatísticas dos casos de abuso sexual e estupro. A maioria das jornalistas simplesmente não denuncia esse tipo de violência.


A correspondente Lara Logan, da CBS, rompeu esse código do silêncio.


Ela cobriu algumas das histórias mais perigosas do mundo, e protagonizou muitos episódios de coragem durante a carreira. Mas a decisão de revelar a história do ataque que sofreu na Praça Tahrir, no Cairo, foi sem dúvida seu momento de maior bravura. Hospitalizada por dias, ela ainda se recupera da tragédia, descrita pela CBS como um brutal ataque sexual acompanhado de espancamento.


Muitos comentaristas sugeriram que de alguma maneira a responsabilidade pelo episódio violento seria de Lara: por ser bonita; por ter decidido se misturar à multidão; por ser uma viciada em conflitos. A culpa não foi dela. A culpa foi da turba. Igualmente, o ataque nada teve a ver com o Islã. A violência sexual sempre foi uma ferramenta da guerra. As repórteres às vezes são simplesmente alvos mais convenientes.


Nas próximas semanas, temo que as conclusões tiradas da experiência de Lara sejam menos reacionárias, mas mais sombrias, com sugestões de que as correspondentes não devam ser enviadas para cobrir situações perigosas. Talvez os chefes tomem inconscientemente a decisão de enviar homens para fazer tais reportagens, apenas para evitar o pior. É claro que os homens também podem ser vítimas, mas a publicidade dada ao ataque a Lara pode levar os editores a pensar, ‘Por que correr o risco?’


Esta seria a lição errada. As mulheres podem cobrir conflitos tão bem quanto os homens, dependendo de sua coragem. Ainda mais importante: elas fazem um excelente trabalho quando relatam a situação daqueles que vivem na guerra, e não apenas dos que morrem nela. Na ausência de mulheres correspondentes nas zonas de guerra, as vivências das mulheres nestes conflitos podem não passar de um rumor distante.

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Repórter do The New York Times e escritora