Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O eleitor excluído

Em São Paulo, no Rio e em Belo Horizonte, os resultados do primeiro turno das eleições municipais mostraram mais uma vez que as decisões de voto de parcela ponderável dos brasileiros obedecem a critérios que os políticos e a mídia dificilmente têm condições de antecipar, muito menos tutelar.


Os eleitores da capital de Minas – o Estado onde o governador tucano Aécio Neves reina sem oposição digna do nome, nem corre o mais remoto risco de ter o seu governo esquadrinhado pela imprensa – praticamente tiraram o chão debaixo dos pés dele e do prefeito petista Fernando Pimentel, levando o candidato da dupla, Marcio Lacerda, do PSB, ao segundo turno, com o adversário Leonardo Quintão, do PMDB, mordendo-lhe os calcanhares (2,33 pontos de diferença).


Sim, as pesquisas anteciparam a tendência de virada dos belzontinos, mas a imprensa – que cobre as disputas eleitorais muito mais a partir da movimentação dos políticos do que da perspectiva do público [ver “O melhor e o pior da cobertura da campanha”] – não se concentrou na inflexão do sentimento do eleitorado local e desse modo deixou de contar uma das grandes histórias da temporada.


A vitória de Lacerda no primeiro turno parecia uma barbada. O secretário de Planejamento do Estado, que por sinal era virgem em eleições, foi escolhido de comum acordo entre Aécio e Pimentel, que batem recordes de popularidade.


Desconhecido da esmagadora maioria dos eleitores, Lacerda estava comendo poeira nas pesquisas antes do início do horário gratuito. Mas logo em seguida subiu como um foguete, parecendo confirmar a previsão convencional de que, juntos, Aécio e Pimentel elegeriam o “poste” que escolhessem.


Só que o homem não convenceu, ao contrário do tarimbado Leonardo Quintão, do PMDB, que já foi o mais votado vereador e é o mais votado deputado federal de Belo Horizonte.


Mas os jornais deixaram barato. Continuaram a trabalhar o assunto dos políticos – a inusitada aliança entre um tucano e o petista para eleger o prefeito da terceira maior cidade do país – e deixaram o resto para as pesquisas.


Em tempo: embora criticasse Aécio e Pimentel pela condução do esquema, sem “combinar com os russos”, como diria Garrincha, Lula mais de uma vez emitiu sinais, registrados na mídia, de simpatia pela candidatura do socialista Lacerda, afilhado de Ciro Gomes e membro do mesmo partido de Eduardo Campos, o governador de Pernambucano que se dá às mil com o presidente.


Claro que a aliança – e a oposição a ela no PT estadual e nacional e no ramo mineiro da coalizão do governo Lula – era desde o primeiro momento notícia quente, até por envolver a sucessão presidencial de 2010.

No entanto, um pouco mais de interesse jornalístico pelo que se passava com o eleitorado de Belo Horizonte teria feito uma senhora diferença em termos de aprofundamento da informação política.


Se fossem atrás disso – do que no fundo é autonomia do eleitor em relação ao que os políticos lhe aprontam como prato feito –, os jornais teriam sacado que a estelar popularidade de Aécio e Pimentel não significa necessariamente que todos que os aprovam votarão, haja o que houver na campanha, no preferido deles.


As coisas não se excluem. Em Natal, muitos dos 193 mil eleitores que deram a vitória a quem Lula não queria – a candidata Micarla de Sousa, do PV, apoiada pelo líder da oposição no Senado, José Agripino, do DEM – com certeza votaram em Lula e aprovam o seu governo. Mas a ficha leva tempo a cair na imprensa.


Também no Rio, o Datafolha cantou antes da concorrência a pedra da subida do deputado Fernando Gabeira, do PV, que começou a campanha uma dezena de pontos atrás do senador Marcelo Crivella, do PRB e chegou à véspera do dia D em situação de empate técnico com o evangélico – em movimento de alta que se consumaria nas urnas.


Mas como foi mesmo a construção desse resultado entre os eleitores? Por que tantos resolveram engrossar a onda que acabou dando ao verde 839 mil votos (contra pouco mais de 1 milhão para o pemedebista Eduardo Paes, candidato do governador Sergio Cabral)?

Com o risco de ser repetitivo: a imprensa peca por se prender aos políticos e ao seu entorno, deixando o eleitor por conta das pesquisas. Nada contra elas: o eleitor tem o direito de saber como é que o seu vizinho, por assim dizer, poderá votar. Só que, nesse esquema, o jornalismo ignora o “clima” – não o clima entre os políticos, mas entre os eleitores – que vai se formando e mudando no decorrer das campanhas.


Por isso, quando saem os resultados a palavra “surpresa” e suas variações se esparram pelo noticiário.


Sim, a chegada do prefeito demo Gilberto Kassab à frente da ex-prefeita petista Marta Suplicy em São Paulo, surpreendeu – literalmente isso não estava escrito.


Kassab poderia ter fechado o primeiro turno um pouco acima ou um pouco abaixo de 34% dos votos úteis. Idem para Marta e os seus 33%. Se fosse numa pesquisa, daria o tal de “empate técnico”.


Mas esse não é o ponto. O ponto que conta – e que a imprensa perdeu por ficar de olho grudado nos políticos e não voltar a vista para os eleitores – foi o crescimento da tendência pró-Kassab não só no eleitorado antipetista de São Paulo, mas também, em larga medida, entre os eleitores não-alinhados (‘independentes’, é como são chamados nos Estados Unidos) e que gostaram do que viram e ouviram do prefeito no horário de propaganda, cimentando provavelmente uma percepção sobre o seu governo.


”O eleitor votou pensando em sua cidade, no seu bairro, nas condições de transporte, educação e saúde”, diz o cientista político José Álvaro Moisés, da USP, citado segunda-feira no Estado.


Os jornais mal enxergaram ainda o fator representado pelos 15% a 20% de eleitores que só se decidem na véspera ou no próprio dia da votação. Isso aparece nas pesquisas, mas não nas matérias.


A imprensa não sacou também, porque não quis garimpar o filão, que estava germinando um “voto envergonhado” – como noticiaria só depois do desfecho do primeiro turno – entre os eleitores tucanos: o descarte do candidato do partido, Geraldo Alckmin, à medida que ía ficando claro que ele não era um antagonista à altura de Marta.


Voto “envergonhado” ou “útil”, como se queira, o fato é que isso empurrou ainda mais para baixo o candidato que teimou em forçar a entrada numa eleição que não era a dele – mas da prefeita que foi e quer voltar e do prefeito que é e quer continuar.