Nas últimas semanas antes das eleições, o presidente percorreu vários estados, enquanto outros membros do governo e a primeira-dama visitavam os restantes. Fez campanha de todo jeito, em comícios, entrevistas, caminhadas, pediu maioria no Congresso para garantir a aprovação de seus projetos, advertiu que uma derrota poderia barrar avanços importantes. No dia decisivo, quando muita gente já estava votando, ainda falou a emissoras de rádio para apoiar nominalmente alguns candidatos em situação mais difícil e até enveredou pelo maniqueísmo, prevendo enormes dificuldades caso o outro lado vencesse – ou seja, resumiu tudo a uma luta do bem contra o mal.
Não, não, isso não aconteceu no Brasil.
Foi nos Estados Unidos, onde na terça-feira, dia 2 de novembro, Barack Obama enfrentou suas primeiras eleições parlamentares e, diante da iminente derrota anunciada pelas pesquisas, jogou todo o seu prestígio para tentar manter um confortável domínio democrata no Legislativo. O noticiário omite se algum jornal, emissora de rádio ou TV divulgou editoriais irados contra a ação presidencial; é provável que não, pois Obama fez o que é comum naquele país. Se tentássemos medir seu comportamento pelo que escreve e fala nossa mídia a respeito das eleições brasileiras, porém, a conclusão seria assustadora: a democracia norte-americana estaria à beira do abismo!
Alguém ameaçou a democracia?
Como todos sabem, além de editoriais irados, a participação do presidente Lula na recente campanha eleitoral gerou noticiários catastróficos, declarações indignadas, colunas intermináveis sobre a ‘liturgia do cargo’ e o ‘dever de magistrado’ do chefe do Executivo. Também motivou muitas queixas e críticas da oposição, mas isso é esperado, pois a oposição está no seu papel; a mídia é que talvez não esteja.
Salvo raras exceções – quando entra em jogo a salvação nacional, por exemplo –, governos se originam de partidos. Uma vez eleitos, devem governar para todos; antes, porém, é até muito bom que se identifiquem, mostrem no que são diferentes dos adversários, digam por que propõem este ou aquele programa – que façam campanha eleitoral, portanto. Sustentado por altíssimos níveis de popularidade, Lula foi às ruas fazer exatamente isso: apresentar uma candidata à sucessão que representasse a continuidade do seu programa de governo, mostrar no que ela seria diferente dos adversários, comparar projetos e realizações.
Cometeu abusos? É certo que sim, tanto que foi multado cinco vezes pelo Tribunal Superior Eleitoral por antecipar a campanha. Também os candidatos mais votados os cometeram e do mesmo modo receberam multas, em número mais elevado do que o presidente. Algum deles ameaçou a democracia?
Diferença de comportamento
É claro que não, todos fizeram o jogo democrático, com mais ou menos acertos, maior ou menor contundência. Dizer que o presidente ou qualquer outro ‘ultrapassou todos os limites’, como se ouviu e leu por aí, é conversa de comício – só cabe em colunas e comentários jornalísticos quando a paixão já tomou conta.
Outros presidentes não fizeram isso!, bradam os editoriais. É verdade, mas é meia-verdade porque traz o fato, porém sonega os motivos. Itamar Franco não se atirou na campanha porque gostaria de ter indicado outro candidato, o que Fernando Henrique impediu ao lhe tomar a paternidade do Plano Real. Fernando Henrique não saiu às ruas porque terminou o governo muito mal avaliado: seus correligionários preferiram escondê-lo, ao invés de mostrá-lo. E, vale lembrar, quando foi em causa própria, FHC fez até mais do que campanha, conseguiu aprovar a auto-reeleição, num processo que – este sim! – ‘nunca antes se vira na história deste país’.
O presidente da República ocupa um cargo político e é natural que se ocupe da política. Integra um partido e, ainda que governe para todos, tem compromisso com as ideias que defendeu na campanha e com sua continuidade. Por isso, nos países presidencialistas, o presidente faz campanhas eleitorais; nos parlamentaristas, quem as faz é o primeiro-ministro, e com intensidade até maior, pois sua ascensão e sua permanência no cargo se dão exatamente pela condição de líder partidário.
Obama e Lula fizeram o que é usual.
A mídia americana fez o que é usual por lá: cobriu amplamente a participação do presidente na campanha. A mídia brasileira fez o que tem se tornado usual por aqui: procurou criminalizar o comportamento do presidente. Lula ganhou a sucessão. Obama perdeu a maioria na Câmara. A mídia americana seguiu seu rumo. A brasileira afundou mais um pouco.
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Jornalista e consultor legislativo da Câmara dos Deputados