Problemas não ficam menores nem mudam de figura quando as soluções sugeridas para eles não servem.
É o caso das idéias do ministro da Defesa, Nelson Jobim, sobre a “relativização” do direito constitucional da imprensa de manter em sigilo a identidade das fontes que lhe passaram informações com a condição de permanecer anônimas.
Quando a informação envolve um crime – como o grampo de um telefonema do senador Demóstenes Torres para o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes –, o jornalista que a recebeu deveria ser punido se se recusar a revelar quem a vazou, sugeriu Jobim.
O ministro também defendeu punições para a divulgação do conteúdo de escutas, ilícitas ou autorizadas.
Vai em parte pela mesma linha o projeto de repressão à arapongagem e à violação do segredo de Justiça que o governo mandou quinta-feira ao Congresso e a Folha noticiou em primeira mão.
O uso do grampo “para fins diversos dos previstos em lei”, diz o projeto, passsaria a ser punido pelo Código Penal. Isso abrangeria, além do vazador do conteúdo de uma escuta legal, quem o divulgasse.
Quando é que a divulgação do teor de conversas ou mensagens interceptadas se desviaria dos fins “previstos em lei”? E quando é que esses fins poderiam prevalecer sobre os princípios da liberdade de imprensa e do direito à informação?
“A utilização criminosa dos grampos precisa ser punida. Mas isso não vale para o repórter que fez uma denúncia. A restrição da liberdade de informação não está em jogo”, disse à Folha o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça – onde foi elaborado o projeto –, Pedro Abramovay.
Antes assim, embora o projeto deixe espaço para dúvidas. E menos ainda se fale em punições para o jornalista que se negue a identificar as suas fontes, mesmo quando elas têm parte com um crime (como o grampeamento clandestino ou o repasse de uma escuta autorizada).
Mas uma coisa é poder publicar informações ou denúncias sem o risco de ser processado por isso, outra coisa é publicá-las como quem teria carta branca para fazê-lo – e danem-se as consequências.
Não é porque eu posso, eu devo – e esse o montanhoso problema que não se resolve com propostas de limitar a liberdade de imprensa.
Jornalismo ético é o que resiste à tentação do furo enquanto o jornalista não tiver feito o possível para confiar na autenticidade e na procedência alegada do material oferecido para publicação.
Ou, melhor ainda para o leitor, quando o jornalista usa os documentos vazados como pauta para uma apuração que corrobore e vá além da versão recebida. Afinal, vaza-se sempre de caso pensado, para conseguir alguma coisa com a divulgação. As intenções do vazador não são necessariamente ilegítimas: podem até coincidir com o interesse público. Mesmo assim, o jornalista que se vire para não depender apenas dele.
É o que costumeiramente fazem os jornalistas? Não, não é. Porque nessas circunstâncias o que os move – do repórter dono do furo ao editor dono da decisão final – é antes encontrar razões para publicar do que razões para engavetar. Essa última alternativa será seguida tanto mais a contragosto quanto mais quente parecer a história em questão, ainda que ela não possa ser conferida de ponta a ponta.
A única esperança é que os mecanismos de certificação adotados nas redações, especialmente em relação a vazamentos, se tornem rigorosos a ponto de se sobrepôr ao impulso de mandar ver antes que a concorrência se aposse do assunto.
Isso não virá com leis que obriguem a imprensa a isso ou a proibam daquilo. Virá, se vier, da consciência crítica de um leitorado amadurecido o suficiente para cobrar integridade dos procedimentos jornalísticos, distinguir entre publicações sensacionalistas e aquelas que se tiverem de errar não será por leviandade – e saber, assim, a quem e ao que dar crédito.
P.S.1
No noticiário do laudo da Polícia Federal sobre a serventia dos 16 equipamentos apresentados pela Abin para perícia, o Estado foi o único dos grandes jornais a ir além da conclusão dos técnicos de que esses aparelhos não podem ter sido usados para grampear o presidente do Supremo porque não dão conta do recado quando se trata de telefones analógicos ou celulares.
Destacou, literalmente acima disso, a revelação da PF de que cinco dos tais 16 se prestam para escutas ambientais – captação de conversas cara a cara entre duas ou mais pessoas. Um dos equipamentos pode ser acionado por controle remoto por um araponga que estiver a mais de 500 metros do local monitorado.
A importância disso é óbvia. Não só a Abin não pode ter aparelhos grampeadores, porque ela não é polícia, como ainda o seu diretor-geral Paulo Lacerda, antes de ser afastado da função pelo presidente Lula, disse à CPI dos Grampos que “não temos nem [escuta] telefônica, nem ambiental, nem em qualquer outro tipo de equipamento de comunicação”.
P.S.2
Toda a mídia deu que, segundo a mais recente Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios], do IBGE, continuam lentos os avanços nas condições de vida da população, apesar da queda nos índices de desigualdade social, do crescimento do emprego com carteira assinada e da ampliação do acesso a bens de consumo duráveis e a serviços como a internet.
Entre 2006 e 2007, por exemplo, a proporção de moradias ligadas à rede de esgoto aumentou apenas de 48,5% para 51,3% do total. Já foi pior, muito pior, mas um país já no patamar de desenvolvimento do nosso, não poderia ter quase a metade dos seus 56,3 milhões domicílios desprovida de um recurso essencial de saneamento.
O que nenhum órgão de imprensa fez foi dar ao leitor uma noção que fosse do porque da crônica lentidão do progresso brasileiro em matéria de qualidade de vida. Sim, cada caso é um caso: infra-estrutura, alfabetização, trabalho infantil. Mas, em cada caso, não falta quem possa apontar as causas do ritmo absolutamente insatisfatório de mudança. Era só perguntar.