Quando ouviu a notícia da renúncia de Hosni Mubarak, após acompanhar de perto os 18 dias de protestos contra o ditador na praça central do Cairo, o jornalista Ayman Farouk pressentiu que aquele também era o começo de uma revolução profissional.
Funcionário há 12 anos do jornal estatal ‘Al-Ahram’, o maior do país, Farouk jamais pôde escrever uma linha sequer contra o governo.
Nos dias turbulentos na praça Tahrir, o jornalista ousou retratar fielmente a fúria contra o regime. Mas as informações que passava eram desidratadas na Redação e reduzidas a algo menor.
‘Nos primeiros dias, o jornal escondeu os protestos’, lembra Farouk. ‘Era um jornal em guerra com si mesmo e, pior, com a realidade.’
A queda de Mubarak provocou uma reviravolta na imprensa estatal, removeu as amarras da mídia privada e está redefinindo o ofício de jornalista no país.
Na primeira semana sem Mubarak em 30 anos, a imprensa egípcia viveu uma inédita primavera de liberdade. Os jornais aproveitaram para ir fundo num assunto antes proibido, a corrupção.
O primeiro sinal dos novos tempos foi na noite da renúncia, quando o ‘Al-Ahbar’ chegou às ruas com uma manchete, sem maquiagem. ‘Povo derruba o presidente.’
‘Ninguém segurou a explosão de alegria na Redação’, conta Doaa Khalifa, editora do ‘Hebdo’, suplemento em francês do diário. ‘Pela primeira vez fomos consultados sobre qual deveria ser a manchete.’
Satélite
Nos últimos anos, o regime já permitira uma certa abertura na mídia. Surgiram jornais e canais de TV por satélite independentes.
Dos três jornais mais vendidos, dois são estatais, ‘Al-Ahram’ (A Pirâmide) e ‘Al-Akhbar’ (A Notícia). Ensanduichado entre os dois, está o independente ‘Al-Masry Al-Youm’ (O Egito Hoje).
Mas o alcance é limitado. Num país de 85 milhões de pessoas, a circulação global não passa de 3 milhões diários. A maior parte da população se informa pela televisão, principalmente nos canais captados por satélite.
Uma onda de satélites piratas proliferou a partir da Copa de 2006, dando a 65% dos egípcios acesso a uma variedade de canais nacionais e do exterior. Isso reduziu a influência da TV estatal.
Com a saída do ditador, a expectativa é de uma reforma nas regras do jogo. Na época de Mubarak, elas eram claras: críticas podiam até ser toleradas, mas nunca ao ditador e ao Exército.
Em 2005, Aia El-Sherbeny, do estatal ‘Rose al-Yusuf’, foi julgada por reportar indícios de superfaturamento na construção de um prédio público. Para não ser presa, pagou fiança de R$ 5.500.
Para ela, ainda vai demorar para que o país tenha uma imprensa realmente livre. ‘Ainda há uma cultura de autocensura entre muitos jornalistas, principalmente os mais velhos’, diz Aia, 29.
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Enviado da Folha de S.Paulo ao Cairo