Os jornais não usam como deveriam a ferramenta que lhes permitiria não deixar para amanhã o que podem fazer hoje: corrigir no mesmo dia, nas edições online, os erros publicados na versão impressa. (Sem deixar de dar as erratas o quanto antes nas edições em papel.)
Um belo exemplo nesse sentido acaba de vir do Guardian, de Londres. O diário deu hoje em manchete: ‘Alta nos níveis de carbono leva a temer disparada do aquecimento’.
A matéria começa assim: ‘O dióxido de carbono está se acumulando na atmosfera muito mais depressa do que os cientistas esperavam, levantando receios de que a humanidade poderá ter menos tempo do que se pensava para lidar com a mudança do clima.’
No sétimo dos doze parágrafos da reportagem, os dados do problema:
‘A concentração de dióxido de carbono na atmosfera é medida em partes por milhão (ppm). De 1970 a 2000 essa concentração aumentou cerca de 1,5 ppm a cada ano, à medida que as atividades humanos lançavam mais desse gás na atmosfera. Mas, de acordo com os números mais recentes, o ano passado assistiu a uma alta de 2,6 ppm. E 2006 não é um caso único. Uma série de saltos similares em anos recentes significa que o nível de dióxido de carbono subiu em média 2,2 ppm por ano desde 2001.’
Foi portanto o que ficaram sabendo os leitores que recebem o jornal em domicílio ou o compram em banca.
Mas a tinta da edição ainda estava fresca, por assim dizer, quando a mesma história apareceu na internet, precedida da seguinte advertência, em negrito:
‘Desde a publicação da matéria, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos [Noaa, na sigla em inglês] nos informou de um erro nos seus dados publicados. O órgão diz que a taxa de crescimento de dióxido de carbono em 2006 foi de 2,05, não 2,64, como originalmente declarado. Eles alteraram as informações no seu website de modo a refletir a mudança. Usando o novo número, a alta média desde 2001 é de 2,1 ppm, não 2,22 ppm. Estamos investigando e atualizaremos nossa matéria de forma apropriada.’
O erro já estava corrigido às 8h56 desta manhã, hora de Londres.
O uso da internet, no caso, é o lado mais importante da questão, mas não o único.
Uma coisa é o rápido restabelecimento da verdade jornalística proporcionado pela tecnologia da comunicação.
Outra coisa é que, para a catástrofe do aquecimento global, cientificamente prevista, a correção não refresca nada. O acerto, para menos, dos números do efeito estufa no ano passado – 2,05 em vez de 2,64 ppm – diminui em um pouco mais de um décimo apenas a alta média nos primeiros anos do novo século das emissões de dióxido de carbono (CO2), o principal causador da mudança climática já em curso: 2,1 ppm em vez de 2,2.
A manchete do Guardian se sustenta: há todos os motivos para temer a disparada do aquecimento global.
O efeito estufa não se estabilizou, muito menos diminuiu. Continua aumentando – em ritmo acelerado.
É o que se lerá no próximo dia 1º, quando o Painel Intergovernamental de Mudança Climática, das Nações Unidas, apresentar o seu relatório, em que trabalharam 2.500 especialistas durante cinco anos.
A versão semi-final do documento, divulgada em primeira mão pelo jornal madrilhenho El Pais em 26 de dezembro, afirma que devido à atual concentração dos gases que provocam o efeito estufa – a maior em 650 mil anos – o aquecimento global será inevitável e durará séculos.
‘Ainda que amanhã mesmo se eliminassem as emissões dos gases estufa’, advertiu El Pais, ‘as temperaturas continuariam a subir durante mais de um século, o nível do mar continuaria a subir e o processo de degelo prosseguiria’.
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