O leitor Urariano Mota escreve, a respeito do tópico anterior (‘Balanço de 76 páginas‘): ‘Salvo engano, publicar balanços em jornais de grande circulação é uma obrigação legal.’
Sem dúvida. Obrigação legal. Por isso existe uma tabela para publicidade legal.
Mas nada obriga a, por exemplo, publicar quatro páginas publicitárias em papel especial capeando o balanço propriamente dito, como se fez nesse caso. Somando-se a publicação nos dois jornais, desconsiderando-se o diferencial do papel especial, usando os preços de tabela da Gazeta Mercantil e do Valor (os desse último conforme informação do leitor Tiago de Jesus, que os consultou no site do jornal; embora o design pareça ter melhorado, não consegui achar os valores da publicidade da edição impressa), aplicando desconto de 80%, temos aí R$ 132.288 (Gazeta) mais R$ 94.099 (Valor), resultado: R$ 226.387 por essas oito páginas. A direção do Grupo Eletrobrás dirá que é investimento em marketing. Pode ser. Provavelmente porque os resultados foram bons (que o diga quem consegue ler o essencial do balanço). Se fossem ruins, a estatal se limitaria a cumprir discretamente a obrigação legal.
Segundo ponto: a publicação em dois jornais da mesma praça não é obrigatória. Se é para agradar (ou, teoricamente, para atingir todo esse público segmentado), por que não três, quatro jornais? Será que saiu no DCI, no Jornal do Comércio? Por que não publicar nos cadernos de economia do Estadão e da Folha, nas páginas de economia do Globo e do Jornal do Brasil?
Terceiro: o formato. Noventa e nove por cento dos leitores não resistiriam a um teste de leitura de dois parágrafos desses em duas colunas (cada uma com 14 centímetros de largura), corpo sete, se não me falha o olhômetro, com marca dágua para embaçar mais a leitura e conteúdo inacessível para 99,99% dos leitores, sem um mísero resumo geral em bom português. Imaginemos que um jornalista seja escalado para traduzir numa reportagem os dados do balanço. Quanto tempo ele levaria para fazer isso? A quantas pessoas precisaria recorrer? Missão impossível. O leitor que não dormir ao final do segundo parágrafo ganha um distintivo de lapela da Eletrobrás.
O objetivo deste tópico é ‘desnaturalizar’ a percepção essa prática. Como faz parte da paisagem desde que cada um de nós começou a ler jornal, achamos que é natural e lógico. Será lógico? Será natural?
Digamos, por hipótese, ‘ad argumentandum tantum‘, que os jornais não se deixem influenciar minimamente por esses eventos publicitários.
Certamente é obrigatório publicar os balanços, por lei. A Lei das S.A., aprovada em 1976, muito antes do advento da internet (hoje no Brasil há, entre outros, o site http://www.infoinvest.com.br/, que fornece análises; consulta paga; os balanços podem ser lidos nos sites da CVM e da Bovespa). Há um projeto para mudar isso. Nos Estados Unidos e na Europa não existe tal prática. Os jornais dependem de outro tipo de publicidade.
Mas o que essa lei garante, em matéria de transparência de gestão? Ou seria uma herança do cartorialismo ibérico em benefício das empresas jornalísticas?Antigamente havia uma lei que isentava jornalistas de pagar imposto de renda. Era justa?
Para completar: a publicação é obrigatória também no Diário Oficial, onde se pratica tabela cheia, sem desconto. Como é um veículo com tiragens monumentais, a publicidade legal aí é mais cara. O governo é sócio dos jornais. Não consegui encontrar o preço no site do Diário Oficial da União.
P.S. às 20h50: no Jornal Nacional, chamada para uma publicidade institucional da Eletrobrás no próximo domingo à noite, ‘no intervalo do Fantástico‘.
P.S. 2, em 8/4, colaboração do leitor Josué de Souza Castro:
‘Mauro Malin está sendo muito generoso com a estatal, quando sugere que ela tenha feito uma excelente negociação antes de mandar publicar o catatau. Oitenta por cento de desconto é algo novo no relacionamento da imprensa com o governo e com as empresas por ele controlado. Até passado recente, sabia-se, nas agências de publicidade, que as tabelas dos jornais e revistas valiam apenas para esses clientes preferenciais, que pagavam sem reclamar, fingindo ignorar que aos demais clientes era dado um grande desconto sobre o preço da tabela. Era desse jeito que as agências faturavam, e os jornais também. Afinal, até começos dos anos 90, o governo e as estatais respondiam por cerca de 70% da economia (hoje, 52% da produção industrial brasileira vêm das multinacionais aqui instaladas, e aí o jogo é mais duro). Vamos supor que Tanure tenha conseguido publicar o catatau com um desconto, só para livrar a cara da estatal, de uns 20%. Com esse dinheiro, ele pode tirar a Gazeta e o JB do buraco. Talvez ele até esteja contando com a bufunfa para a revolução prometida para o dia 16 de abril no velho JB, do qual ele já tirou o DNA há muito tempo.’
Resposta:
O desconto de 80% foi puro chute, para dar o máximo ‘benefício da dúvida’ e apenas tentar mostrar que, ainda assim, há muito dinheiro envolvido. Obrigado ao leitor por mencionar o papel das agências, que são um elo vital em todo esse processo.
Por falar em agências de publicidade, a ameaça de Duda Mendonça de fazer revelações é bem estimulante. O ‘pecado’ de Duda como homem de negócios não difere substancialmente do que se faz usualmente na praça. Atire a primeira pedra o publicitário metido em campanha política que nunca tiver participado de esquemas baseados em caixa dois. A discussão em torno de Duda Mendonça se particulariza quando o foco é seu papel político. Maluf, Lula, Marta. E muitas adjacências. Nisso ele se diferencia. No mais, se Duda puder desnudar esquemas que deixem a nu alguns dos parlamentares figurantes do espetáculo dos depoimentos, tanto melhor para a compreensão do distinto público.
P.S. 3, 8/4, colaboração do leitor Maurício Araújo (ver comentário em ‘Balanço de 76 páginas‘)
‘(….) Claro que os jornalistas são ótimos em cobrar das outras áreas que tenham que participar de licitações e se calam sobre sua própria atividade. Um dos motivos para se calarem é que como a maioria das empresas da grande mídia são devedoras da União, não estariam aptas a participar das licitações’.