Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O nome é o de menos: o que conta é o conteúdo

Na última segunda-feira, 14, o executivo-chefe da empresa que edita o New York Times, Arthur Sulzberger, e a presidente da companhia, Janet Robinson, distribuíram um memorando interno comemorando os ganhos da “estratégia de circulação” do jornal.


Mas o que chamou a atenção no texto foi outra coisa – o seu penúltimo parágrafo, em que a dupla define a organização como “uma empresa de notícias, não uma empresa de jornal”.


Nunca antes nos 158 anos de história do mais celebrado jornal do mundo, os seus controladores disseram coisa parecida – o que poderiam teoricamente ter feito quando a empresa entrou no negócio do jornalismo de rádio, com a sua emissora WQXR.


O fim de uma era, seria o caso de dizer. Mas o essencial não muda. Leia-se a continuação:

“Temos o compromisso”, escreveram Arthur & Janet, “de oferecer aos nossos consumidores – [vejam bem: consumidores, não leitores] – nosso conteúdo seja lá onde e quando o desejem e até por meios que talvez não tenham imaginado, impressos ou online, em textos, gráficos, audio, vídeo e mesmo eventos ao vivo. Devido ao nosso jornalismo de alta qualidade, temos marcas poderosas e acreditadas, que atraem públicos educados, afluentes e influentes.”


O sujeito da oração, portanto, é “jornalismo de alta qualidade” – o conteúdo. E nada é mais importante do que isso quando se fala em jornalismo – em qualquer formato. A pergunta ainda não respondida é se os novos formatos, pelo que são e pelo que se pode (ou não) fazer com eles, favorecem o jornalismo de alta qualidade tanto, menos, ou, quem sabe, mais do que o formato tradicional.


E este ainda predomina. Uma pesquisa citada pelo estudioso da imprensa Michael Massing, em artigo publicado no New York Review of Books, com data de capa de 24 de setembro, descobriu que, apesar da explosão da internet – no ano passado, os americanos ficaram em média 53 minutos por semana lendo jornais online, ante 41 minutos em 2007 –, 96% do tempo dedicado a leitura de jornais foi gasto com a versão impressa. No mesmo período, aliás, dos US$ 38,5 bilhões desembolsados nos Estados Unidos em anúncios na imprensa, só US$ 3 bilhões foram para as edições online de jornais e revistas.


Está claro, portanto, que o desafio para as empresas jornalísticas consagradas é investir na informação pelos meios digitais sem privar os seus produtos impressos dos recursos que os consagraram. A redação do New York Times, por exemplo, consome anualmente qualquer coisa como US$ 200 milhões. E, tendo de cobrir o papel e a tela, o cobertor ficou curto para todo mundo.


No seu memorando, Arthur & Janet celebram o fato de que o ano passado foi o melhor da história da empresa em matéria de rendimentos da circulação (assinaturas e venda avulsa) do seus diários em papel. Depois do NYT, impresso em 26 lugares nos Estados Unidos, o mais importante é o Boston Globe.


“Por que os leitores continuam fiéis à versão impressa?”, perguntam, retoricamente. A resposta é boa:


“Por que os jornais, que sobrevivem há mais de 400 anos, funcionam. As pessoas entendem como os jornais são organizados – se uma matéria está acima da dobra, é mais importante do que aquela abaixo da dobra. Se sai na primeira página, é mais valiosa do que as das páginas internas. Os leitores usufruem da possibilidade inesperada de encontrar coisas novas em relação às quais nem sabiam que poderiam estar interessados antes de descobri-las nas páginas de seus jornais. Eles são portáteis. E marcam a passagem do tempo das notícias.”


O NYT gasta mais do que qualquer outro jornal com jornalistas e outros profissionais da sua edição online. Entre os que ali “trabalham febrilmente para combinar as práticas jornalísticas tradicionais com os superpoderes da internet”, escreve Massing, há times inteiros do que a empresa chama “futuristas” e “tecnólogos criativos”.


São eles que criam seções interativas em que o leitor pode clicar, por exemplo, numa colagem de fotos de soldados americanos mortos no Iraque e no Afeganistão e chamar um miniperfil de cada um deles. Ou, além de ler um relato sobre a desnutrição na África, ver o autor da matéria entrevistando algumas de suas vítimas.


Mas não há futurismo nem criatividade tecnológica que promovam à primeira classe uma reportagem de segunda. Apesar de todo o deslumbramento que a net provoca.


Direto da Barrica


O leitor pode não ter percebido, mas a Folha de S.Paulo desconsiderou nesta quinta-feira, 17, a decisão judicial que proibiu O Estado de S.Paulo de publicar matérias baseadas na Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, sobre os negócios de Fernando Sarney, o filho do presidente do Senado que toca as empresas da família.


A decisão, sob a forma de liminar, foi concedida em 31 de julho pelo então relator da ação movida pelo empresário junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, desembargador Dácio Vieira. Anteontem, o Conselho Especial do TJ afastou Vieira do caso, por suspeição, como pleiteava o Estado – mas manteve o seu ato, que equivale a censura prévia.


Um outro relator terá de decidir se banca ou revoga o parecer de Vieira.


Aliás, quando parecia que o parecer tinha sido invalidado com o afastamento do autor, o Estado publicou imediatamente na internet duas matérias com dados da Boi Barrica prontas desde o dia 15 de agosto. Os textos sumiram assim que ficou claro que a censura foi mantida.


Já o que a Folha fez foi informar que o senador José Sarney, ao contrário do que disse em plenário no início de agosto, participava, sim, de decisões administrativas da fundação que leva o seu nome, em São Luís. Sarney negou a participação depois que o Estado revelou desvio de parte da verba de R$ 1,34 milhão concedida à entidade pela Petrobras a título de patrocínio.


Mas o que tem isso a ver com a censura ao Estadão?


Tudo que interessa do ponto de vista da liberdade de imprensa. Pois a matéria que desdiz Sarney se baseia em “telefonemas e e-mails interceptados pela Polícia Federal”. A rigor, um telefonema e um e-mail, transcritos na reportagem.


E essas interceptações, também se lê na matéria, foram obtidas pela PF, com autorização judicial, “durante a operação que, desde 2007, investiga os negócios de Fernando Sarney”.


Essa operação é a própria Boi Barrica – nome que a Folha omitiu para não ostentar que deu de ombros para a liminar que amordaçou o concorrente. Além disso, o jornal sempre poderá alegar que não publicou nada da operação que dissesse respeito ao filho do senador.


De qualquer forma, já que o Estado resolveu cumprir a determinação judicial enquanto dela recorre – foi sugerido que o jornal a ignorasse, num ato de desobediência civil –, quanto mais matérias extraídas da Barrica saírem em outros jornais tanto melhor para a prevalência do direito da sociedade à livre informação.