Único dos mais importantes jornais brasileiros a fechar antes da votação da CPMF, o Valor considerou “improvável” a hipótese de a prorrogação do imposto do cheque ser derrotada no Senado. Está na edição de hoje.
É bem verdade que, na página anterior, o mesmo jornal antecipa que o governo “estava para sofrer uma de suas maiores derrotas no Congresso’.
Faz já bom tempo que se aplica às grandes redações, e não só no Brasil, o ditado de que a mão direita não sabe o que faz a esquerda, e vice-versa.
Mas o ponto que interessa a este comentário – daí a abertura falando do erro do Valor – é que ao longo da infindável tramitação da emenda da CPMF, o comentariado político nacional, incluindo alguns dos analistas que atiram no Planalto dia sim, o outro também, não se cansou de prognosticar que, ao fim e ao cabo, por meios legítimos e ilegítimos, o presidente Lula sairia vencedor da queda de braço no Senado.
Não há jornalista que valha o seu sal que prefira falar do que aconteceu em vez de anunciar o que deverá acontecer. Isso explica, mas não justifica.
A tentação, própria do ofício, de se antecipar aos fatos foi reforçada, no caso, por uma deformação que bem merece ser chamada planaltite.
Consiste no ar viciado que os jornalistas respiram nas alturas federais. Nascido do acompanhamento, anos a fio, das proezas da caneta presidencial, o vício está em apostar que, na hora do vamos ver, pode mais quem pode mais: nomear, demitir, gastar ali, economizar acolá.
E quando se tratava, como agora, da batalha de todas as batalhas do segundo mandato do presidente Lula, quanto mais vivido o colunista, mais forte a tendência de achar que podem ladrar os cães quanto queiram: a caravana passará.
Se isso ainda não bastasse, como é que o presidente mais popular desde Getúlio, apoiado por um comboio de uma dezena de partidos, deixaria de obter os 49 votos de que precisaria numa base de 53 senadores?
[Seis, como se sabe, o renegaram; um não pode dar-lhe o voto porque preside a casa, e um não deu o ar de sua excelentíssima graça.]
Desde hoje, e até onde a vista alcança, a imprensa tratará pencas de textos com “o onde foi que Lula errou”. Claro. Já dizia o frasista Winston Churchill que a arte de prever está em explicar por que as previsões não se cumpriram.
O verdadeiro problema de todos quantos conversam com o futuro e se atropelam para ser os primeiros a contar à galera o que ouviram está na mui humana dificuldade de guardar para si as suas convicções.
Porque uma coisa é formar a própria opinião com base no amplo restrospecto de como os governos usam os seus recursos de poder para se impôr a um Legislativo costumeiramente submisso ao outro lado da Praça. Outra coisa é precipitar-se para tornar públicas as conclusões privadas.
Que teriam tudo para se confirmar – não fosse o imprevisível.
P.S. Pingue-pongue na madrugada
A votação no Senado terminou por volta da 1 da madrugada. O Estado fechou a edição que tenho em mãos a 1h45. Ainda assim, o jornal traz uma entrevista de quatro perguntas com um cientista político que dá a sua versão para a decisão dos senadores.
Parabéns ao entrevistador Moacir Assunção e ao entrevistado Marco Antonio Teixeira – se o pingue-pongue de fato ocorreu nesse escasso intervalo. Pode ter ocorrido antes – e iria para o lixo se o desfecho da votação fosse outro. Isso é normal na imprensa. Mas o leitor nunca fica sabendo.
Ainda no Estado:
A primeira matéria do jornal sobre a derrubada da CPMF começa assim: “Ao completar cinco anos de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva…”
E nós que não sabíamos que Lula tinha tomado posse na virada de 12 para 13 de dezembro de 2002?