Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O banqueiro e a História

A revista Nossa História tem a peculiaridade de dar tanto mais prejuízo quanto maior o número de exemplares vendidos, diz sua editora, Cristiane Costa. Vender mais é gastar mais com impressão e distribuição de uma revista que está sempre no vermelho. Que modelo de negócios permite sustentar uma publicação assim? Nenhum. A revista sobrevive do bolso de um banqueiro – médico por formação e aficcionado por História – Aloysio Faria, que vendeu o Banco Real e criou o Banco Alfa.

Essa publicação assumidamente deficitária é mesmo um caso à parte. Inaugurou no Brasil, com a História Viva, em novembro de 2003, uma nova era no mundo das revistas. De tão boa, gerou uma ciumada e acabou virando duas, com a elegante diagramação feita pelo mesmo designer gráfico, Vitor Burton. Seu editor até março de 2005 foi Luciano Figueiredo. Em abril, Cristiane Costa, que fora do suplemento Idéias, do Jornal do Brasil, assumiu o comando. Havia sido desfeita uma parceria entre a editora Vera Cruz, empresa de Aloysio Faria que só existe para editar a Nossa História (caprichoso, ele também criou uma empresa só para fazer sorvetes diferenciados, a La Basque) e a Fundação Biblioteca Nacional, à época presidida pelo livreiro Pedro Corrêa do Lago. Em julho, sob o comando de Luciano Figueiredo, foi às ruas o primeiro número da Revista de História da Biblioteca Nacional, filha da dissidência.


No começo, Nossa História e História Viva dividiam as bancas. A primeira nunca teve que pensar na equação econômica. A segunda, sempre. Hoje, o “nicho de mercado” está congestionado (ler “Mundo digital atropela revistas de História”)


Tiragem decrescente


“Cada vez que passo numa banca descubro uma revista de História diferente”, constata Cristiane. Essa proliferação, o aperto da classe média num quadro de crescimento econômico moderado e o renitente elitismo da educação brasileira explicam por que Nossa História em três anos caiu de uma tiragem de 70 mil exemplares, dos quais mais ou menos 50 mil eram vendidos, para o número mais modesto de 50 mil exemplares, venda de 33 mil nas bancas – principalmente de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte – e quase nada de assinaturas, após algumas tentativas frustradas de contar com empresas especializadas nesse serviço.


Cristiane relata, a propósito da macaquice mercadológica, uma experiência um tanto chocante: “Fizemos um número sobre a maçonaria. Três meses depois, saíram três revistas com matérias sobre maçonaria”.


Nessa situação de mercado, diz, “o patamar de vendas de todas as revistas diminuiu um pouco. E algumas podem não ser tão bem-feitas, podem não ter uma proposta tão séria”.


Patrocinador zeloso


Mas como se consegue a proeza de acumular gloriosos prejuízos?


“A revista é deficitária porque é muito cara. A mão-de-obra é muito qualificada. A pesquisa iconográfica, riquíssima. É mesmo um projeto pessoal do Dr. Aloysio, que assina revistas de História do mundo inteiro”, conta a editora.


O “dono da bola” interfere?


“Tem um interesse louco. Manda bilhetinhos com sugestões de pauta. Recebe os PDFs das páginas diagramadas e faz comentários sobre a edição, o texto, os temas. Interessou-se especialmente pelos artigos sobre a Revolução de 1932 [número 21, julho de 2005] e sobre o positivismo [número 27, janeiro de 2006]. Mas o nome dele não aparece no expediente.


O processo de preparação é longo, lento, minucioso, como descreve Cristiane:


“A gente encomenda um artigo, ou alguém nos sugere. Chega o texto. A gente tem idéia de que vai publicá-lo em breve. Ele passa por uma equipe de historiadores que vai ler o texto, vai apontar eventualmente alguma falha de informação ou algum item que poderia ser acrescentado. Volta para o autor, esse autor manda as complementações. Vai para a reunião de pauta, a gente vai votar se esse artigo vai ser publicado ou não, tem toda uma preocupação de equilibrar a revista entre temas de História Colonial, do Império e da República, para que um tema não seja preponderante. Isso tudo depende da capa. Se essa capa é de História recente, a gente vai tentar fazer com que os os outros artigos sejam da Colônia ou do Império.


Uma vez que eles estejam pautados para aquele número, eles vão para os redatores. Os redatores vão retrabalhar aquele texto, eventualmente reescrever de cima a baixo. Volta para o autor, para ele aprovar, ou não, sugerir mudanças, bater o pé, dizer que não, que aquilo ali ele quer que mantenha, e uma outra coisa está equivocada. A gente prepara o texto, manda de novo para ele, ele dá OK. Aí entra todo um processo de pesquisa iconográfica que leva também por volta de um mês, porque você tem que rodar todas as instituições de pesquisa. É um processo bem demorado. As capas até julho do ano que vem já começaram a ser feitas. Porque você tem que encomendar, a pessoa tem que ter tempo para fazer, eventualmente ela vai fazer uma pesquisa para escrever aquele material… A gente também dá um, dois meses para o pesquisador preparar o material”.


Revista que é quase livro



Segundo Cristiane, existe uma preocupação especial com a linguagem: “Precisa ser acessível, mas não pode ficar infantil”.


A vantagem é que as edições não envelhecem. Revistas de História são quase livros, produtos educativos que têm um público mais fiel. Há vendas feitas fora das bancas, para escolas. Historiadores e professores de História compram a revista (R$ 8,90, desde dezembro).


O mercado é um território inóspito. E há outros fatores que inibem a tiragem.


“Cada vez mais o público jovem não aceita pagar por informação que recebe de graça”, diz Cristiane. “Se não houvesse a internet como fonte de consulta para trabalhos escolares, a venda seria maior”.


E, como já se viu, o prejuízo aumentaria. Nesse caso muito especial, não faz tanta diferença. Quem paga é o segundo homem mais rico do Brasil, na classificação da revista Forbes para 2006. Os leitores agradecem.


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