O truque é manjado, o que não impede que vez ou outra seja repetido por profissionais da imprensa que investem na criação de uma polêmica gratuita para, pelo menos, ser tema de comentário do dia entre os coleguinhas. O script é sempre o mesmo, e tem o mesmo e previsível texto engraçadinho-ofensivo que, além de virar tema de mesa de bar de jornalistas, provoca indignação de leitores que gastaram com a compra do jornal.
A Folha de S.Paulo de hoje traz quatro cartas de leitores, todos irados com o comentário de ontem assinado por Marcos Augusto Gonçalves, editor do caderno de variedades, que ridicularizou Bono por seu suposto comportamento politicamente correto – no caso, a bandeira contra a miséria no mundo.
O que incomodou Gonçalves foi outra coisa, como se pode ver abaixo, na reprodução integral do comentário.
Mas o que é surpreendente na iniciativa é a confusão medonha que o texto faz entre os exageros do politicamente correto, principalmente a patrulha que força a o uso de palavras diferentes para tratar dos problemas ou questões que, dados os devidos descontos, continuarão os mesmos, apesar da nova nomenclatura.
A difamaçãozinha de Gonçalves é barata. Para adquirir consistência e fazer corpo na página, contém muita encheção de lingüiça com menções a Rita Lee, Nuno Ramos e subsídios agrícolas da França. Sem essas referências, o baço comentário não teria muito mais do que o primeiro parágrafo.
O aperreio que lhe provocou a militância política do vocalista líder do U2 também é um produto típico do jornalismo que tem coragem para atacar quem que não se dará ao trabalho de responder, ou que não pode se defender.
Um dos leitores indignados que se manifestam na Folha de S.Paulo, Leandro J. C. Gonçalves, de Franca, São Paulo, chama a atenção para uma das contradições expostas pelo desconforto do comentário publicado pelo jornal. Referindo-se ao encontro entre empresários e personalidades mais influentes do mundo que se reúnem todos os anos em Davos, na Suíça, o leitor aponta: ‘É interessante notar que a visita do mesmo talentoso Bono ao Fórum Econômico Mundial não causou a mesma ira da nossa ‘imprensa’.’
Bono não deve estar dormindo desde a publicação do comentário, tamanha a sua preocupação.
Íntegra do comentário
Bono personifica a chatice da correção política
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA
Bono parece ser um sujeito legal. Está sempre do lado -como diria Rita Lee- dos frascos e comprimidos. Bono é a encarnação roqueira do politicamente correto. É uma espécie de Sting, o que faz dele, ao menos em parte, um chato. E também um equivocado: mal desembarcou no Brasil e já saiu correndo para emprestar seu prestígio a Lula. Nenhum questionamento, tudo beleza: a corrupção do PT e o faz-de-conta do presidente devem ser uma invenção da direita que não compra discos do U2.
Bono faz parte daqueles formadores de opinião do Primeiro Mundo Maravilha que acreditam em duendes progressistas do Terceiro Mundo. Estão sempre achando que vai brotar algo novo por aqui.
O ‘núcleo duro’ de sua legião de fãs é a geração posterior à minha, hoje na faixa dos 35/40 e poucos. Um dos traços característicos dessa moçada é a correção política, aquela compulsão de chamar negros de ‘afrodescendentes’, falar em ‘opção sexual’, viver em permanente estado de solidariedade às minorias étnicas, colocar a culpa do terrorismo islâmico no Ocidente e recomendar filmes feitos nos cafundós do mundo sobre situações arcaicas e ‘humanas’.
Bem, não deixa de ser um alívio ouvir de um artista dessa geração (Nuno Ramos, em entrevista publicada no sábado) que há muita arte de ‘cabeça baixa’, tratando de questões imediatas: ‘Vivemos numa época extremamente controladora, e o pior é que aquilo que nos controla tem ótimos valores’. Realmente, assistimos a um ‘boom’ do que chamo de ‘arte ongueira’, aquela produção ligada a ONGs, que se refugia no bom-mocismo para fazer sucesso.
Claro que Bono é ‘do bem’. Irlandeses são gente fina. A África é pobre. O futebol brasileiro é mágico. E já que Bono quer dar uma força para o Terceiro Mundo, pode fazer um show na França contra os subsídios agrícolas. Aí diríamos: ao U2, as batatas!