A reação dos jornalistas dos grandes jornais da Espanha, quando o asunto é a onda de jornais grátis que cobre o país, é de desprezo. Uns argumentam que esses jornais, distribuídos de mão em mão nas saídas do metrô e nas avenidas das grandes cidades, não têm aferição confiável; outros, que se trata de um jornalismo menor, sem profundidade e sem linha editorial consistente a favor da democracia, do bem comum e de maior justiça nas relações sociais. Indiferentes às críticas, os jornais gratuítos continuam se multiplicando como cogumelo nos pastos.
Apenas em Madri, são sete. Em vários casos, se dão ao luxo de mirar uma faixa específica do mercado, como o leitor de esportes (os espanhóis são doentes por futebol), ou o semanal que toda sexta-feira é entregue preferencialmente nos bairros madrilenhos ocupados por imigrantes latino-americanos que, segundo estatísticas de 2003, já somam quase um milhão. Em Valencia, cidade litorânea com cerca de 800 mil habitantes, os jornais gratuitos aparecem como instrumentos de inclusão social. Um estudo divulgado hoje por um dos jornais gratuitos de Madri, o ’20 Minutos’, atribuído à socióloga Kristen Bell, concluiu que o número de leitores de jornais na cidade cresceu 7 pontos percentuais nos últimos cinco anos, alcançando 69,7% da população, graças aos gratuitos.
As grandes cidades da Espanha são um caso à parte na proliferação dos jornais gratuitos. A Word Association Newspapers (Wan) estima que sua circulação cresceu mais de 40% entre 1998 e 2003. Todos os casos, até o momento, repetem o êxito que o jornal “Metrô” vem acumulando desde 1995, quando o tradicional conglomerado de mídia sueco Modern Times Group, também conhecido pela sigla MTG, lançou sua primeira versão metropolitana, em Estocolmo. Hoje, o tablóide é distribuido em 53 grandes cidades, em 17 países, com edições em 16 idiomas disferentes. Sua tiragem diaria total – 6 milhões – só é superada pelos grandes jornais japoneses. A publicidade dos jornais da rede, segundo compromisso de seus controladores, ocupa, no máximo, 45% das páginas. Dos grandes grupos editoriais do mundo, o MTG é um dos poucos que desconhece crise financiera.
As empresas que copiaram o modelo original, como o “Latino”, voltado para a comunidade latino-americana em três regiões do país – Madri, Barcelona e Levante – também não têm do que se queixar. Em sua edição de 15 de maio passado, o “Latino” comemorou com os leitores ter atingido a tiragem de 140 mil exemplares semanais em seus dois primeiros anos de vida, segundo a PGD, uma espécie de instituto verificador de circulação exclusivo para as publicações gratuitas. Os maiores anunciantes do “Latino” da edição citada eram o Citibank, a Telefónica, a Wester Union (empresa de serviços financeiros dos EUA) e a rede de frango frito KFC.
O MTG já estendeu-se para duas grandes capitais sul-americanas – Buenos Aires e Santiago do Chile -, mas colheu fracasso no Brasil justamente o país com o maior número de capitais e grandes cidades capazes de propiciar lucros com a iniciativa. O único exemplo conhecido deu-se no Rio de Janeiro, onde o grupo estrangeiro uniu-se a um grupo local para explorar o trânsito de pessoas no metrô da segunda maior cidade do Brasil. O metrô do Rio tem como principal acionista o governo estadual, que, na época, era ocupado por Anthony Garotinho.
A iniciativa resistiu inicialmente aos ataques dos jornais tradicionais, mas não às denuncias de corrupção veiculadas pelos jornais tradicionais, e naufragou de vez quando se descobriu que o jornal estava sendo impresso na gráfica do próprio metrô. Outra grande barreira, além da corrupção que marcou o caso, é que, tanto no Rio de Janeiro quanto em qualquer outra cidade brasileira, os distribuidores dos jornais precisam ser cadastrados como “ambulantes” para estar de acordo com a lei.
Mas o modelo de negócio é bom – e dá certo, se as prefeituras resistirme à pressão dos jornais tradicionais – tomando como base o custo industrial para impressão: cada exemplar de jornal tamanho tablóide, com 24 páginas e impressão em quatro cores, sai por menos de R$ 0,50.