As informações iniciais sobre o o ataque sofrido pela jornalista sul-africana Lara Logan na Praça Tahrir, no Cairo, eram chocantes. A correspondente da rede americana CBS foi separada de sua equipe por um grupo de cerca de 200 homens, espancada e violentada. Lara foi salva por um grupo de mulheres e soldados egípcios. Ela cobria a reação dos manifestantes na praça – principal local dos protestos antigoverno que duraram 18 dias – após a queda do presidente Hosni Mubarak. O episódio levantou questionamentos sobre a segurança de profissionais de imprensa em regiões de conflito e, especialmente, de jornalistas mulheres em países onde mulheres e homens são tratados de maneira distinta.
Mas há uma outra questão por trás do brutal ataque. Artigos se espalharam pela internet no fim da semana passada acusando a CBS de escondê-lo. Lara foi agredida em uma sexta-feira (11/2) e só se tomou conhecimento do caso cinco dias depois, quando outros veículos o reportaram. Até então, a CBS havia ficado calada. Há sugestões de que o silêncio teria sido mantido para garantir a segurança da jornalista até que ela voltasse para os Estados Unidos – o que aconteceu rapidamente – e de que a própria Lara o tivesse pedido.
Ódio aos judeus
Quando a história foi divulgada, as primeiras informações davam conta de que a correspondente havia sido atacada, mas deixavam de fora um detalhe: os homens que a cercaram e a agrediram gritavam repetidamente a palavra ‘judia’. Nenhuma das redes de TV dos EUA divulgou esta informação.
Há a teoria de que, pelo ataque ter ocorrido em meio a uma celebração pela queda de um ditador, a sugestão de que ele teria sido motivado pelo ódio aos judeus no mundo árabe poderia prejudicar o clima geral de libertação. ‘Ter uma gangue de 200 ‘caras bonzinhos’ atacando uma repórter enquanto gritavam ‘Judia! Judia!’ não se encaixava no contexto’, ressalta o colunista Michael Graham, do jornal Boston Herald. Ele também levanta a questão cultural. ‘Um estupro em um bar é um crime sexual, mas um grupo de manifestantes políticos que estupra uma ‘judia’ em público é uma questão sobre cultura.’ Rachel Larimore, editora da Slate, também segue por este raciocínio. ‘Seria o ataque a Lara Logan uma anomalia, ou seria algo esperado de homens educados em uma cultura que trata mulheres como cidadãos inferiores?’, questiona.
Esta semana, o jornal britânico Daily Mail reportou que, nos dias anteriores à saída de Mubarak, veículos egípcios estatais publicaram matérias negativas sobre jornalistas estrangeiros. Muitos dos textos afirmavam que diversos correspondentes que cobriam os protestos eram na verdade espiões israelenses.
O que é notícia?
Para justificar a falta de cobertura da al-Jazira English sobre o caso, a editora de notícias da emissora, Heather Allan, argumentou que, como regra geral, jornalistas não devem ser o foco das notícias. ‘Quando a CBS fez sua declaração sobre o ataque, pediu especificamente que a imprensa respeitasse a jornalista e sua família. Optamos por fazer isso.’
A al-Jazira English viu a crise política no Egito como uma oportunidade de expandir sua atuação no mercado de TV americano. Cobriu amplamente as manifestações e os confrontos e sua audiência no país respondeu de maneira positiva. O canal reportou agressões sofridas por outros correspondentes, ainda que Heather faça questão de dizer que os incidentes foram ‘mencionados’, mas não foram foco da cobertura. Mas o caso de Lara Logan parece mais grave. Ela foi afastada de seus colegas. Foi violentada. Isso não é notícia?
A propósito: Lara Logan não é judia.
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