Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Globo e o biquíni da acrobata

Cinqüenta anos atrás, quando ainda não havia nascido a TV Globo, a opinião do jornal O Globo sobre o que se poderia ou não ver na televisão era diferente do que hoje defende a Rede Globo em publicidade veiculada sob a rubrica de ‘Cidadania’ e em outras manifestações, como a feita no Fantástico de domingo (ver ‘Globo e SBT fazem campanha oblíqua‘ e ‘O método da insinuação‘).


Está hoje na seção ‘Há 50 anos’, Segundo Caderno do Globo:


‘Recebemos de uma ´mãe de família indignada´um justo protesto contra o reduzidíssimo biquíni que despia a acrobata de um trio germânico que foi apresentado no ´Circo Arrella´ [sic: trata-se do Circo do Arrelia], na penúltima [sic] segunda-feira, na TV-Rio. Todos nós sabemos que uma acrobata jamais poderia funcionar no seu ofício vestida de dama antiga, ou de baiana do acarajé, e que o maiô é tão funcional para ela quanto o macacão de zuarte para o mecânico de automóveis. Daí, porém, à exibição demasiadamente ampla de alcatras, acéns e outras intimidades carnudas, aos olhos de um público infantil, vai uma distância muito grande’.


Note-se o tom humorístico da manifestação. Bom humor em princípio é interessante. Mas fica patético quando raso e grosseiro como o do carnívoro redator de cinco décadas atrás.


Hoje pouca gente se lixa para a exibição de ‘intimidades carnudas’, cenas de violência (medo) e sexo (muito mais do que insinuado) em horário dito infantil, ou, como se diria há meio século, infanto-juvenil.


Ainda assim, há barreiras socialmente convencionadas. Ou não há mais?


Se as redes de televisão mostrassem um mínimo de seriedade, o governo (começou com FHC, continua com Lula) não precisaria se mexer em resposta a questionamentos de cidadãos e grupos organizados (os que têm voz, nos dois casos). A classificaçao indicativa seria feita pelas próprias emissoras. Mas elas reagem em nome da ‘liberdade de expressão’. Tudo é ‘censura’. O que significa banalizar a idéia de censura. Provavelmente, muita gente do show business gostaria que toda e qualquer barreira fosse eliminada.


A Rede Globo ousa quanto pode. Há duas décadas, Xuxa, por exemplo, que não usa vestido de dama antiga nem roupa de baiana do acarajé, se despede com caras e bocas e palavras de duplo sentido. No horário mais infantil que se possa conceber.


O comportamento da emissora se rege por dois vetores. No discurso oficial, um aggiornamento que seria não apenas inevitável como bem-vindo. Na prática, a concorrência puxa para baixo. A Globo reage e abre um pouco mais de espaço para a chamada baixaria.


Os meios de comunicação desempenham um papel crucial na mudança das mentalidades e dizem que as mentalidades é que mudam os meios, como se houvesse algum tipo de geração espontânea de liberdade mental, ou ela caísse do céu (não, certamente, com a intermediação dos papas modernos; na Renascença, e antes, quem sabe?…).


Se o leitor quiser fazer um teste de compatibilidade entre as milhares, dezenas de milhares, centenas de milhares, milhões de cenas exibidas em novelas da Rede Globo e a idade do público, dê uma chegadinha até a página da internet em que a emissora oferece vídeos com cenas de novela: http://entretenimento.globo.com/. Vale a pena, para ajudar a meditar sobre o tema da classificação indicativa.