Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Katrina mostra ao mundo o pior da América

O pior da América é o racismo entranhado na alma do país. O pior da América de Bush é a danação dos americanos pobres – cada mais mais numerosos e cada vez mais pobres. O furacão Katrina casou as duas coisas em Nova Orleans.

É como se a catástrofe natural tivesse acontecido em uma colônia africana do passado. Não dá para disfarçar, muito menos esconder: a catástrofe social está nos telejornais do mundo inteiro.

Também está na primeira página do New York Times de hoje, na matéria “Das margens da sociedade ao centro da tragédia”, assinada por David Gonzalez – com contribuições de 14 repórteres de costa a costa.

Citando amplamente líderes negros americanos, a reportagem destaca a percepção geral de que raça e classe foram fatores decisivos para o destino das vítimas da devastação.

“As vítimas”, escreve Gonzalez, “foram principalmente pretos e pobres, os que labutam nos fundos dos paraísos turísticos, vivendo em bairros decrépitos que de há muito se sabia que seriam vulneráveis a desastres se os diques [das represas da área] falhassem. Sem um carro ou nem mesmo dinheiro para um bilhete de ônibus para fugir enquanto era tempo, foram deixados para trás…”.

Dois em cada três habitantes de Nova Orleans são negros. Deles, pelo menos um em quatro vive na miséria. No inundado bairro de Lower Ninth Ward 98% dos moradores são negros. Mais de 1/3 vive na miséria.

Na América negra não se fala de outra coisa, informa o texto. O assunto domina os sites voltados para o público afro-americano.

Não só. O colunista de mídia Nelson de Sá chama a atenção, na Folha de hoje, para a indignada pergunta da revista on-line Slate: “Por que nenhuma menção a raça e classe na cobertura da televisão?” A Slate – volta e meia acusada pela direita americana de “viés liberal” – sabe muito bem por quê.

Outras minorias americanas também observam que nem todos são iguais pelos desastres da natureza. “Os pobres são os mais ameaçados”, diz o porto-riquenho Martín Espada, professor de inglês na Universidade de Massachusetts. “É o que significa ser pobre.”

É o que os pobres de todas as etnias, mesmo no mais opulento país do mundo, estão fartos de conhecer por experiência própria.