Esperava encontrar nos jornais do domingo – quando dedicam mais espaço à divulgação de idéias, em matérias, entrevistas e artigos assinados – algo sobre a repercussão, no Brasil, da decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos que declarou ilegais os programas de “equilíbrio racial” nas escolas americanas.
Só encontrei um texto, que mencionarei adiante.
A decisão foi tomada, na quinta-feira, por 5 votos a 4. No sábado, o colunista [negro] Bob Herbert, escreveu no New York Times que “uma maioria malévola da Corte quebrou com uma tijolada a janela dos esforços voluntários de integração escolar”.
Segundo ele, “essa nova maioria” [formada pelo presidente Bush ao nomear juizes extremamente conservadores para a Corte] “parece determinada a seguir uma trajetória legal que atirará os negros de volta aos maus velhos tempos da era Jim Crow’ [da segregação racial em escolas, meios de transporte, restaurantes, repartições públicas etc].
O motivo por que essa decisão tende a repercutir no Brasil é óbvio: a polêmica em torno dos dois projetos que tramitam no Congresso, patrocinados pela Secretaria Especial de Promoção de Políticas da Igualdade Racial, da ministra Matilde Ribeiro.
Um deles institui cotas para negros e indígenas nas universidades federais. O outro estabelece políticas também diferenciadas por critérios raciais para admissão no serviço público.
A política das cotas surgiu nos Estados Unidos, na esteira do movimento dos direitos civis dos anos 1960. Em 2003, foram consideradas ilegais pela Suprema Corte.
Os argumentos dos acadêmicos, intelectuais e colunistas que se opõem aos projetos da ministra Matilde estão reunidos no livro Divisões Perigosas: Políticas Raciais no Brasil Contemporâneo. Editado pela Record, contém 34 artigos. Será lançado amanhã em São Paulo.
Quanto a muitos outros temas, os autores formam um arco-íris ideológico. Mesmo sendo todos contrários às cotas, divergem sobre a necessidade e a forma de outras ações ações afirmativas para estimular a igualdade de acesso ao ensino superior no país.
Exemplo de ação afirmativa é o bônus de 3% que a USP passou a acrescentar este ano às notas dos vestibulandos que fizeram todo o ensino médio em escola pública.
Ontem, em artigo no Globo, o geógrafo Demétrio Magnoli – um dos mais estridentes adversários dos que ele acusa de querer dividir o Brasil em “blocos raciais” – festejou a decisão da Suprema Corte americana.
“Seria excessivo”, perguntou retoricamente, “pedir a atenção dos nossos deputados para os argumentos dos juízes americanos?”, numa referência à apertada maioria vitoriosa na quinta-feira.
Ocorre – e eis aí o gancho que a mídia aparentemente não descobriu para abrasileirar a impactante decisão da Corte – que nem todos que pensam como ele sobre os projetos para as cotas no Brasil concordam com o seu foguetório sobre o veredicto da Justiça americana.
Entre os que sustentam que uma coisa [os Estados Unidos] é uma coisa e outra coisa [o Brasil] é outra coisa, estão co-autores do livro Divisões Perigosas…
O debate no seu grupo de discussão na internet merecia ser replicado o quanto antes na grande mídia.
P.S. Também ontem o New York Times publicou extensa reportagem, assinada por sua veterana setorista da Suprema Corte, Linda Greenhouse, mostrando que em diversas outras decisões, além dessa última, os juízes se alinharam em blocos opostos nitidamente ideológicos: liberais [progressistas] e conservadores.
A matéria tem o requinte de mostrar numa tabela quantas vezes cada juiz votou com cada um dos demais. O resultado não deixa margem a dúvidas: seja qual for o mérito ou demérito dos programas de “equilíbrio racial” nas escolas americanas, a sua derrubada foi antes de tudo fruto de posições ideológicas – “direita” 5 x “esquerda” 4.
Intitulada “A largos e pequenos passos, Corte Suprema moveu-se para direita”, a reportagem tem o link http://www.nytimes.com/2007/07/01/washington/01scotus.html
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