Não há como fugir: o Big Brother está de olho em você. Na tevê, nas revistas, nos jornais, no seu site favorito, nas conversas de botequim, na escola, nas reuniões de família. Se bobear, até em seus sonhos, enquanto você dorme.
Mesmo sem querer, você é bombardeado por informações diárias (ou seriam horárias?) sobre os complôs entre os participantes (ou ‘guerreiros’, como prefere o Bial), quem mostrou que parte do corpo, quantos pontos deu de ibope a eliminação de um ou outro concorr… – err, ‘guerreiro’.
Efeitos de uma comunicação de massa ou de uma massificação da comunicação? McLuhan deve explicar.
Prefiro analisar a coisa sob uma ótica mais restrita, a do espectador crítico, do receptor da mensagem, do cidadão sitiado por uma avalanche de informações da qual ele não pode escapar – como ninguém escapa ao olhar onipotente e onipresente do Big Brother original, orwelliano.
Não adianta mudar de canal, porque as outras tevês têm programas de fofocas que registram e comentam os bastidores do BBB4. Ou porque os ‘guerreiros’ das versões anteriores ainda colhem os frutos temporões de seus meteóricos e ocasionais sucessos e são convidados a participar de programas de variedades, gincanas televisivas, humorísticos e outras atrações de qualidade duvidosa. Nas bancas de jornais, o BBB4 está, de alguma forma, estampado nas capas das revistas, ou – quando não – em suas páginas internas. Os grandes jornais do país trazem, freqüentemente, em suas primeiras páginas, chamadas sobre os acontecimentos recentes no programa. Em suas edições eletrônicas, chamadas de capa sobre o BBB são quase obrigatórias. Alguns têm links fixos sobre o programa, a exemplo da maioria dos grandes portais brasileiros. Até no Observatório da Imprensa o BBB4 está sempre dando as caras (o que, no caso, é até justificável, porquanto é um fenômeno a ser observado e estudado por quem existe também para isso).
Aliás, falando de internet, parece ser justamente ali que a massificação é mais evidente.
Hoje, é impossível ao cidadão acessar qualquer portal na rede sem ser bombardeado por manchetes, links, banners, popups ou qualquer outros artifício eletrônico que não traga uma ou outra informação sobre o BBB4. Às vezes, nem parece que acabou de acontecer uma significativa reforma ministerial, que o desemprego aumentou, que as chuvas andaram matando pessoas no Nordeste e no Sudeste. Nos últimos dias, parece que a única notícia que teve peito de disputar espaço com o BBB na internet foi mesmo o papelão que o Brasil fez no Pré-Olímpico do Chile. Mas futebol, a gente sempre soube, é mesmo o ‘ópio do povo’, no Brasil, e sempre foi utilizado como o nosso circencis do pannis et.
Apenas comercial
O que me surpreende mais, nisso tudo, é a ‘ingenuidade’, o oportunismo e até o servilismo de certos veículos. Como se não soubessem que o BBB não passa de um produto comercial, criado para faturar com ibope, merchandising, anúncios, promoções e formas variadas de publicidade institucional e comercial, veículos de grande tradição e credibilidade no trato com a informação abrem espaço permanente e sagrado à divulgação de paredões, intrigas, maracutaias, confissões, romances de ocasião, festas temáticas e outras babaquices que envolvem esse joguinho particular – mas não privado – dos ‘guerreiros’ do Bial.
Alguns veículos – especialmente emissoras de tevê concorrentes – contentam-se em colher as migalhas do BBB, com o disse-me-disse e comentários sobre o programa. Revistas de fofocas sobrevivem justamente de fofocas sobre pessoas famosas, mesmo que essas gozem de uma celebridade fugaz: o importante é faturar, enquanto durarem os ’15 minutos’ de cada um.
Os jornais, por sua vez, parecem optar pelo princípio do ‘é melhor eu dar, senão o concorrente dá’, e estão se lixando se seus leitores tradicionais preferem as intrigas palacianas de Brasília às armações da ‘casa’. Outros veículos – na internet, principalmente – dão tanto destaque ao programa, são tão servis e generosos, que não há como não suspeitar que essa generosidade não é gratuita e que interesses comuns e escusos manipulam os cordéis.
Tudo isso me fez lembrar uma historinha dos tempos em que eu era chargista de jornal diário, em Belo Horizonte, há coisa de duas décadas e meia (o jornal já nem existe mais). Um dia, indignado com a destruição do perfil da Serra do Curral por uma grande mineradora, fiz uma charge sobre o assunto e a levei ao editor. Ele a rejeitou e me pediu que fizesse outra, sobre outro assunto. Motivo: a defesa da Serra do Curral era a grande bandeira de luta de um outro jornal diário da cidade (que também já não existe).
O BBB4 nem é uma bandeira de luta – é um produto comercial, apenas. Parece que alguém precisa lembrar isto a certos editores. Diariamente.