Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cervejaria discrimina idoso

Tenho 37 anos de idade e venho pedir proteção. Não sabia a quem recorrer. Então pensei se o Conar poderia me ajudar, ou com palavras de esclarecimento ou por meio de ação efetiva. Enfim, preciso de proteção. Em dezembro de 2004, estava em frente à televisão quando me deparei com uma propaganda repugnante e desagradável, que me deixou perplexo e indignado. Refiro-me ao novo anúncio da Nova Schin, em que dois rapazes estão andando por uma cidade desolada, quando um deles diz: ‘Tá quente aqui’. Nesse momento, várias mulheres idosas surgem de todos os lados, indo em direção a eles. Senhoras em cadeiras de rodas, andadores, mancando. Uma das mulheres diz: ‘Vem gatinho vem! Vem pra mim!’.

Os rapazes então começam a correr, fugindo das mulheres, como se foge de uma grande ameaça, até que encontram um freezer da Nova Schin e pulam dentro dele. Vão parar numa praia cheia de gente bonita e jovem. Lá, encontram a cantora Ivete Sangalo. Ela está vestida de biquíni, servindo a cerveja, brindando com amigas numa mesa, num clima de alegria e descontração. Os dois rapazes, então, aliviados, ficam sentados em cadeiras de praia, cercado por ‘belas’ mulheres de biquínis multicoloridos tomando a ‘cerveja do gozo’. A propaganda termina com Ivete pronunciando o slogan da campanha: ‘Quanto mais nova, mais gostosa’.

A propaganda é de profundo mau gosto, demonstrando o famigerado preconceito etário: o que é velho é ruim e nojento, o que é novo é bom e gostoso. O pior do anúncio é mostrar pessoas idosas, resvalando para a discriminação silenciosa, na qual o velho deve ser trocado pelo novo. A identidade social do idoso é fundamentada na relação de contrastividade. Por assim dizer, o que é jovem é belo e bom, enquanto o que é velho é ruim e feio.

Sentimento vexatório

Como cidadão, respaldado na Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994, § 3º, a qual determina que ‘todo cidadão tem o dever de denunciar à autoridade competente qualquer forma de negligência ou desrespeito ao idoso’, venho solicitar ações cabíveis para eliminar esse tipo de propaganda intolerante que afasta cada vez mais a idéia de idosos saudáveis, alegres, livres.

A fim de extirpar da sociedade esse tipo de discriminação, cada vez mais limitante dos espaços de liberdade às pessoas acima de 60 anos, venho solicitar providências acerca deste anúncio, com base no Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003, Capítulo II Art.10º, que determina:

‘É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.’

§ 2º. ‘O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.’

§ 3º. ‘É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a saldo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.’

O anúncio explora o estereótipo de mulheres idosas em busca de sexo com rapazes, gerando sentimento vexatório e imagem constrangedora.

É crime

Não podemos aceitar, como bem afirmava Simone De Beauvoir, a ‘conspiração do silêncio’, numa época em que a situação do país não é lisonjeira – para estabelecer um paralelo entre jovens e idosos, num verdadeiro desrespeito, com um pretenso humor, discutível – à dignidade da imagem do idoso.

Todos nós estamos em processo contínuo de envelhecimento. Não podemos deixar a situação ficar pior do que já está. Precisamos de melhor imagem dos idosos. Não podemos esquecer que seremos o sexto país com maior número de pessoas acima de 60 anos.

De acordo com o Estatuto do Idoso, desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar a pessoa idosa, por qualquer motivo, é crime. Portanto, para me sentir protegido, pois tenho o direito como cidadão, aguardo resposta sincera e digna.

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Professor-titular de Geriatria e Gerontologia da Universidade Fundação Oswaldo Aranha, mestre em Gerontologia, autor dos livros Envelhecer: histórias, encontros e transformações (indicado ao Prêmio Jabuti 2002) e Quem somos nós? O enigma do corpo