O grau de desinformação da grande imprensa brasileira e de alguns colunistas é de causar espécie. Cuba é um exemplo permanente. Não se está cobrando aqui posicionamentos favoráveis ao regime ou a seus dirigentes. Cada um tem o direito de manifestar opinião da forma que quiser. O que se questiona, aí sim, é o exercício permanente da desinformação. Um dos exemplos mais recentes nesse sentido foi dado pelo jornalista e crítico musical Nelson Motta. Este senhor ocupa um espaço semanal nos jornais O Globo e O Estado de S.Paulo para, geralmente, desinformar.
Em sua última coluna, sob o título ‘Os eleitos dos eleitos’ (sexta-feira, 25/2), Motta afirma com toda a convicção que em Cuba para alguém ser eleito representante na Assembleia Popular é necessário ser do Partido Comunista Cubano ou cair nas graças de algum prócer do PCC. Mas o pior dessa (des)informação é que ele garante que chegou a essa conclusão, que transmite aos leitores, depois de muitas pesquisas. Não afirma que fontes foram consultadas. Motta, na verdade, desinformou e, se fosse mais humilde, e não soberbo como se apresenta, faria uma retificação. Em Cuba, quem quiser se apresentar como candidato a representante do povo não precisa necessariamente integrar as fileiras do Partido Comunista. Está na Constituição cubana, que Motta desconhece e nunca procurou saber.
Critério mínimo
Neste momento, a Assembleia Popular tem representantes não filiados ao PCC, inclusive parlamentares vinculados a religiões cristãs. Eles são eleitos pela a Assembleia Municipal pela primeira vez depois de conseguirem o apoio em uma determinada área de um número proporcional de eleitores inscritos na zona eleitoral (bairro). Os eleitos precisam prestar contas do que fizeram na representação popular. Se por algum motivo não convencerem em seus argumentos podem ser destituídos do cargo pelos eleitores. A prestação de contas precisa ser no mínimo anual, mas se houver uma convocação de emergência para a explicação de uma eventual dúvida para os eleitores, o prazo pode ser menor. Maiores informações sobre o tema podem ser encontradas também no livro recém-publicado pela Editora Booklink sob o título Cuba, Apesar do Bloqueio.
O que Nelson Motta escreveu deve ter sido lido por assinantes e eventuais leitores dos jornais. Muitos desses leitores provavelmente estarão repetindo em suas rodas a verdade do colunista. E, seguindo a rotina, alguns outros colunistas repetirão o mesmo discurso, que na verdade é desinformativo.
Por estas e muitas outras que vem manifestando em suas colunas semanais, Nelson Motta deveria aproveitar o espaço para cuidar de questões em que demonstre um mínimo conhecimento, como na música popular, de que é especialista. Um artigo de opinião deve ter o critério mínimo com base em informações verdadeiras, e não em premissas falsas, valendo, portanto, uma pesquisa mais apurada, e não do tipo oba-oba.
O ‘homem forte’ tinha se regenerado
O que teria a dizer o autor do artigo se O Globo e o Estadão reproduzissem em suas páginas esta contestação com base única e exclusiva em fatos, não em conjecturas? É possível até que Motta tenha pesquisado em algum espaço da internet que prioriza informações falsas sobre a ilha caribenha. Teve preguiça de pesquisar mais.
Não é à toa que se deve questionar e mesmo pôr em dúvidas as informações diárias de jornais como O Globo. Um exemplo: Hosni Mubarak durante 30 anos de governo foi considerado pelo jornal carioca apenas como presidente, ou líder árabe moderado. Alguns dias depois dos acontecimentos que culminaram com o envio de Mubarak para o lixo da história e a mudança de posição do Departamento de Estado norte-americano, o jornal da família Marinho passou a chamar Mubarak de ditador.
Muammar Khadafi, a partir de 2003, quando passou a ser palatável pelo governo de George W. Bush, sobretudo depois de recepcionar a então secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice em Trípoli, com toda a pompa, O Globo passou a poupar o dirigente líbio. Rice chegou a afirmar que as relações estadunidenses-líbias entravam em uma nova etapa – as Organizações Globo acompanharam a novidade. Em 2006, depois que Khadafi aceitou na Líbia os ditames do FMI e do Banco Mundial, alguns analistas da mídia de mercado, especialmente em O Globo, chegaram a demonstrar certa euforia passando a entender que o ‘homem forte’ tinha se regenerado. Contrariedade mesmo, só quando o imprevisível Khadafi defendia na Opep o valor do seu principal produto de exportação, o petróleo.
Outras fontes
Agora, em função dos últimos acontecimentos no mundo árabe, que estão provocando (e ainda vão provocar mais) uma grande mexida no tabuleiro internacional, O Globo voltou a carga contra Khadafi, revivendo a série de acusações contra o ditador que se encontravam em banho-maria. Mas as baterias midiáticas de mercado continuam afiadas, inclusive dando grande destaque aos sucessivos desmentidos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) de que estaria preparando uma intervenção na Líbia. Historicamente, a Otan sempre desmentiu no início de crises graves, como as atuais, que ia intervir nesta ou naquela região. Kosovo, ano 1999, que o diga. Resta saber se ocorrer de fato alguma intervenção no país onde o petróleo é estratégico, como a mídia de mercado abordará o tema depois dos desmentidos.
Por essas e outras os leitores, telespectadores e ouvintes, antes de aceitarem as verdades que são impostas pela mídia de mercado, devem procurar outras fontes para tirarem alguma conclusão sobre os acontecimentos relevantes, como os que acontecem neste momento no mundo árabe.
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Jornalista