Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A aposentadoria de Ronaldo

Ronaldo anunciou a aposentadoria. Como brasileiro, não terá do que se queixar. O mais ilustre dos aposentados do Brasil nunca vai ser humilhado nas filas dos postos de saúde, não vai precisar pesquisar preços de remédios em dez farmácias diferentes e, em caso de cirurgia, não vai morrer em alguma maca enferrujada ou na calçada de algum hospital à espera de atendimento. Ao contrário da esmagadora maioria dos aposentados brasileiros, Ronaldo vai ter dinheiro de sobra para se cuidar. Vai poder viajar e aproveitar as praias que quiser em qualquer lugar do mundo.

O Ronaldo nunca vai voltar da rodoviária decepcionado com as malas nas mãos porque foi impedido de embarcar naqueles assentos gratuitos que idosos sem dinheiro têm direito por lei porque ouviu de um motorista mal-humorado que o coletivo está cheio. Como se o chofer fosse rico e nunca fosse ficar velho.

O mega-astro do futebol brasileiro também não vai precisar contar migalhas para ir ao cinema ou ao teatro pagando meia entrada. Jamais será visto solitário em um banco de pracinha, pensando na vida ou, quando muito, dividindo seu tempo, jogando dominó com outros na mesma situação de penúria, como faz a esmagadora maioria dos aposentados e pensionistas brasileiros.

O ex-jogador não vai precisar encarar filas do INSS e ter de sair à procura de documentos praticamente impossíveis de resgatar para ter o benefício. Muitos dos aposentados brasileiros sequer têm condições de ler e interpretar bem um texto simples, quanto mais entender as exigências da eterna burocracia que está arraigada no Brasil desde os tempos do Império.

Hipotireoidismo e uma coleção de lesões

Ronaldo fez por merecer para chegar aonde chegou. Amealhou cada centavo de sua fortuna com o único trabalho que conheceu na vida, jogar bem futebol. Brilhou cedo, como brilham os gênios. Aos 17 anos, em 1994, venceu sua primeira Copa do Mundo. De quebra, é o maior artilheiro da história das copas, com 15 gols. Foi três vezes eleito o maior jogador do mundo.

O astro não vai desfrutar nenhum centavo desmerecido. Seu dinheiro não é fruto de herança fácil, golpe, corrupção, tráfico, extorsão ou sequestro. Ronaldo muito menos ficou rico como uma maria-chuteira que assedia a vida de atletas bem sucedidos ou maria-fazenda, ou maria-bisturi, entre tantas marias-sem-vergonha.

Ronaldo fez por merecer. Encantou de Belo Horizonte a Barcelona. Foi um fenômeno de gols, de carisma e de marketing. Dentro de campo ainda exercia a condição de líder nato entre os colegas. Foi tido como ídolo até mesmo entre seus pares e adversários. Era um gênio. Existe algum outro que você conheça jogando agora no Brasil?

Pena ter parado tarde, impulsionado por sobrepeso devido ao hipotireoidismo, uma coleção de lesões e pelo descontentamento insano de frustrados que não pensam duas vezes em jogar pedra e dar paulada em ônibus de jogador quando o time perde. Muitos dos que contribuíram para Ronaldo deixar o futebol antes do fim de 2011, como era seu desejo e estava em dezenas de contratos, enfim, muitos são fracassados.

A maioria não tem talento para nada e já chutou para fora de campo todas as oportunidades que a vida oferece.

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Jornalista, pós-graduado em marketing e autor do livro Mato Grosso do Sul