Acaba de sair nos Estados Unidos Send: The Essential Guide to Email for Office and Home [Enviar: o guia essencial para uso de e-mail no escritório e em casa], de David Shipley e Will Schwalbe.
Esse ‘manual do usuário, mais do que livro’, como o chamou a resenhista Janet Malcom, do New York Review of Books, procura ensinar o leitor a fugir dos perigos do ‘clique de Pandora’, no bem-sacado título da resenha, aludindo à mitológica caixa de Pandora, com a qual se poderia fazer tudo menos abri-la, porque ela contém todos os males do mundo.
O melhor do livro são os exemplos tragicômicos dos males que um clique impensado fez desabar sobre a vida profissional e/ou doméstica de não poucos e-maileiros distraídos.
Um caso do gênero que os autores não podiam imaginar – e que talvez possam incluir como fato real numa eventual nova edição da obra [Knopf Editora, 247 páginas, US$ 19,95] está na matéria ‘Paulo Renato submete artigo a banco’, na página A8 da Folha de hoje.
Pobre ex-ministro e atual deputado tucano. Ele teve a infelicidade de mandar para o jornal, via e-mail naturalmente, um artigo desancando a intenção do governo Lula de passar o Banco do Estado de Santa Catarina (Besc) para o Banco do Brasil.
Tudo bem, não fosse a enésima prova de que o diabo [e não deus] está nos detalhes. E o detalhe é que Paulo Renato mandou o seu artigo no mesmo e-mail que continha uma mensagem anterior em que ele pergunta ao presidente do Bradesco se o texto ‘está correto’ e se ele ‘concorda, ou tem alguma observação’.
Azar do e-maileiro, ponto para o jornal que expôs a história, quando podia perfeitamente bem manter a caixa de Pandora fechadíssima, fora do alcance do leitor, e avisar educadamente o ex-ministro – de preferência por telefone – que, tendo tido acesso à sua consulta prévia, decidira, em função disso, não publicar o artigo, pondo uma pedra em cima do episódio.
Mas ao transformar a rata de Paulo Renato em reportagem [ver abaixo], prestou ao leitor o serviço de mostrar como, às vezes, são feitas ‘as leis e as salsichas’, na imortal expressão de Bismarck – só que, em vez de leis, leia-se ‘artigos’.
Se a mídia em geral adotasse essa política, pelo menos num aspecto não se precisaria, quem sabe, cobrar dela mais transparência.
Eis a matéria [que tem tudo para ser tratada nos cursos de comunicação, disciplina Ética Jornalística]:
‘O deputado federal Paulo Renato (PSDB-SP) submeteu à apreciação da presidência do banco Bradesco um texto assinado por ele e enviado anteontem à Folha para publicação. No artigo, ainda inédito, o deputado critica a intenção do governo federal de passar o Besc (Banco do Estado de Santa Catarina) para o controle do Banco do Brasil.
O texto foi enviado ao jornal por e-mail. Por engano, o corpo da mensagem trouxe uma correspondência eletrônica anterior, na qual o parlamentar escrevera ao presidente do Bradesco, Márcio Cypriano: ‘Em anexo, vai o artigo revisto. Procurei colocá-lo dentro dos limites do espaço da Folha. Por favor, veja se está correto e se você concorda, ou tem alguma observação. Muito obrigado, Paulo Renato Souza’.
Ouvido ontem pela Folha, o presidente do Bradesco, Márcio Cypriano, afirmou: ‘O deputado Paulo Renato me ligou perguntando se eu poderia ler um artigo que ele tinha escrito sobre bancos. O receio dele era de o artigo ter algum erro, já que tinha muitas questões e termos técnicos. Eu disse que podia ler e ele me mandou o artigo. Eu achei bom o artigo. Muito bem escrito, por sinal. Foi só isso’.
Intitulado ‘Tentáculos da reestatização’, o texto foi enviado dois dias após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter participado, em Florianópolis (SC), de um evento no qual dirigentes do BB se comprometeram a incorporar o Besc, federalizado na década de 90.
No texto, o ex-ministro da Educação (1995-2002) Paulo Renato reclama da ausência de um processo licitatório para definir os novos donos do Besc. Ele também critica supostas estratégias que estariam sendo empregadas pelo BB para expandir seus negócios no território nacional, o que seria, segundo ele, uma ‘nítida ofensa às regras concorrenciais’.
O deputado Paulo Renato disse ontem à reportagem que não mantém nem manteve contratos com o grupo Bradesco por meio de sua empresa de consultoria, a Paulo Renato Souza Consultores. Afirmou que buscava apenas uma opinião técnica sobre o assunto.
‘Eu tinha encontrado com o Márcio num almoço, comentei com ele que iria fazer esse artigo e pedi ajuda para ele para ver se não estava dizendo uma barbaridade sobre os temas que eu estava tratando. E ele se dispôs a me ajudar’, disse.
Indagado sobre o verbo que utilizou, ao perguntar a Cypriano se ele ‘concordava’ com o texto, o parlamentar afirmou: ‘Se concorda com os argumentos que eu coloquei no artigo’.
O parlamentar disse ter feito o mesmo em relação a um artigo que produziu sobre a companhia siderúrgica Vale do Rio Doce: ‘Eu escrevi um artigo sobre a Vale do Rio Doce comparando com a Petrobras. Eu pedi os dados, obviamente, para o pessoal da Vale. Mandei o artigo [à Vale] para ver se eu tinha interpretado direito os dados que ele tinha mandado. A mesma coisa fiz agora’, afirmou.
‘Em economia, tem que se ter cuidado, pois os conceitos podem não estar precisos’, disse ele, que foi professor titular de economia da Unicamp.’