Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Armadilhas do anti-semitismo

Os jornais noticiam hoje (15/12) a terceira manifestação anti-semita sucessiva do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Na Folha de S. Paulo, em artigo sobre as “utilidades do anti-semitismo”, o professor Demétrio Magnoli parte dessas declarações para fazer um raciocínio que desemboca na condenação… do governo de Israel. Segundo Magnoli, o anti-semitismo tem mil e uma utilidades. Mas o professor se fixa na acusação de que as autoridades israelenses usariam a pecha de anti-semitas contra os que denunciam a maneira como são tratados civis em áreas ocupadas, e o uso de tortura contra prisioneiros.


É um tipo de raciocínio que, na tentativa de ser equânime, atenua a gravidade da ameaça iraniana.


Para que não haja qualquer dúvida sobre minha tomada de posição, sou judeu. E é a partir dessa condição que me manifesto.


De modo nenhum o governo de Israel, ou qualquer outro governo, está isento de críticas. Menos ainda quando se trata de repressão, tortura e outras barbaridades que sempre fazem parte do cortejo dos conflitos armados.


Nem a decisão histórica de criar na Palestina um Estado judeu pode ser entendida como axioma incontrastável. Além disso, uma coisa é o conceito de um Estado judeu e outra são práticas concretas de Israel que, desde o início, se chocaram, de caso pensado ou não, contra direitos da população palestina.


Da mesma maneira, quando o aiatolá Khomeini liderou uma insurreição contra a ditadura do Xá da Pérsia, foi visto como libertador de seu povo. Mas o regime vigente hoje no Irã é uma teocracia com grau restrito de democracia (alguns analistas apontam elementos de teocracia também no regime israelense, mas ninguém contesta que seja uma democracia para os cidadãos israelenses).


Tudo pode e deve ser discutido, mas existe uma coisa chamada política, que é basicamente movida a percepções. Nesse sentido, uma expressa tomada de posição, por Magnoli, contra o anti-semitismo que, palavras dele, “circula em grande parte do mundo árabe-muçulmano, como sabedoria convencional”, teria sido bem-vinda. É o que ele faz em relação ao anti-semitismo em épocas mais recuadas.


E é indispensável historicizar os relatos, não importando se a vertente do narrador é acusatória ou exculpatória.


A condenação da violência usada ou induzida pelo governo israelense tem sido marcada, em particular desde o massacre de Sabra e Shatila, no Líbano, em 1982 – cometido por milicianos cristãos maronitas contra refugiados palestinos em área do Líbano sob ocupação do Exército israelense – por uma linguagem carregada de anti-semitismo explícito ou implícito.


Longe de ser manipulada por uma “conspiração judaica”, como quer fazer crer certo tipo de propaganda anti-semita convencional, a imprensa é tradicionalmente fonte de propagação de preconceito contra os judeus. Após a Revolução de Outubro de 1917, os líderes russos contra-revolucionários deram novo alento e fizeram circular na Europa a falsificação produzida pela Rússia czarista sob o título “Os protocolos dos sábios de Sião”. A revista The Spectator, publicação conservadora fundada em 1828, pediu então a criação de uma comissão para decidir se os judeus britânicos eram de fato “súditos de um governo secreto”. Daí a sensibilidade que cerca o assunto.


A ameaça do Irã é muito séria e ainda vai dar muita dor de cabeça. E não apenas para o Estado de Israel.