Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha atribui aspas falsas para sustentar ‘revelação’ e colhe, sem estrilar, esculacho de chefe militar

Uma das cartas dos leitores publicadas pela Folha de S.Paulo de hoje merece registro. Trata-se da que assinada pelo tenente-brigadeiro-do-ar e comandante do CTA -Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial, Carlos Augusto Leal Velloso, que esculhamba a reportagem do jornal do último dia 15 (‘Viagem de astronauta brasileiro é ‘marketing’, diz diretor do CTA’), na qual repete-se a insinuação de que a viagem do astronauta brasileiro, tenente-coronel Marcos Cesar Pontes, da FAB (Força Aérea Brasileira), foi antecipada para servir como efeito de marketing da campanha eleitoral de Lula.

O jornal já fizera a insinuação na semana anterior, concedendo superpoderes ao PT e ao governo brasileiro. A reportagem da Folha de S.Paulo, assinada por Fábio Amato, não deixou margem para dúvidas:



‘Na semana passada, a Folha revelou que a viagem, antes prevista para outubro, foi adiada para março a pedido do governo brasileiro. As eleições teriam motivado o pedido. O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, negou que o adiamento tenha motivação política’.


O desmentido do ministro de nada valeu. Predominou a versão ‘revelada’ pela Folha, sabe-se lá de onde.
De novo, não se trata de defender o governo Lula, mas de apontar o prejuízo da informação ao leitor quando a ignorância e a falta de bom senso sustentam a repetição de uma suspeita desmentida, agora metendo aspas em declarações que não foram ditas – e que são o principal motivo da indignação da carta do tenente-brigadeiro no esculacho ao jornal.

A predisposição em gerar suspeitas escorou-se na ignorância (ou na preguiça, ou em ambas) e não levou em conta informações elementares.
Uma delas é a de que a suspeição da jogada de marketing teria de ser aprovada pelos outros quinze países que participam do projeto da Estação Espacial Internacional (ISS). O Brasil participa do programa desde 1997 e é o único do terceiro mundo a participar da associação que ainda reúne Estados Unidos, Rússia, Canadá, Japão, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Noruega, França, Espanha, Itália, Alemanha, Suécia, Suíça e Grã-Bretanha.
Se para favorecer Lula, a viagem foi antecipada, a estação deveria mudar de nome. Talvez para Estação Espacial Internacional Maria Joana.




Íntegra da carta do tenente-brigadeiro-do-ar e comandante do CTA -Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial, Carlos Augusto Leal Velloso:


Astronauta
‘Tendo em vista a reportagem ‘Viagem de astronauta brasileiro é ‘marketing’, diz diretor do CTA’ (Ciência, 15/2), julgo necessários alguns esclarecimentos. O termo ‘marketing’, atribuído a mim, foi retirado do contexto em que foi expresso, ganhando uma conotação totalmente diferente. Na verdade, o objetivo dos comentários, durante entrevista que concedi a este e a outros órgãos de imprensa presentes, foi o de destacar como a realidade do vôo do primeiro astronauta brasileiro facilitou a visibilidade de todo o Programa Espacial Brasileiro. Deixei claro também que o avanço tecnológico não se deve apenas ao vôo em si mas também aos trabalhos que o tenente-coronel Marcos Pontes realizará no espaço, continuidade de um processo iniciado há cerca de oito anos, envolvendo a participação do Brasil na Estação Espacial Internacional, a seleção e o próprio treinamento do astronauta, sendo uma oportunidade única de incluir o Brasil em estudos de alto nível e capacitar pesquisadores e estudiosos brasileiros na área aeroespacial e o início de um processo de grandes conquistas. O Comando da Aeronáutica trabalha em total consonância com os objetivos previstos pelo governo federal e pela Agência Espacial Brasileira para o desenvolvimento do programa espacial e os benefícios e vantagens advindos desse investimento para o país.’




Íntegra da reportagem de Fábio Amato:

RUMO AO ESPAÇO

Retorno viria da divulgação do programa

Viagem de astronauta brasileiro é ‘marketing’, diz diretor do CTA

FÁBIO AMATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM S. JOSÉ DOS CAMPOS

O novo diretor do CTA (Comando Geral de Tecnologia Aeroespacial), tenente-brigadeiro-do-ar Carlos Augusto Leal Velloso, afirmou que a viagem do astronauta brasileiro ao espaço é ‘questão de marketing’ e que a experiência ‘não trará nenhum avanço científico para o Brasil’.

Velloso, entretanto, defende a viagem do tenente-coronel da FAB (Força Aérea Brasileira) Marcos Cesar Pontes. Para Velloso, gastar cerca de US$ 10 milhões com o lançamento do primeiro astronauta brasileiro é melhor do que ‘pagar mensalão’ e ainda servirá para divulgar o programa espacial brasileiro.
‘Eu acho que, para efeito do que se pretendia com o vôo do astronauta, que era dar visibilidade ao programa espacial brasileiro de uma maneira geral, está sendo muito bom. Estamos mostrando o programa espacial para o país inteiro’, disse Velloso no final da tarde de anteontem, após entrevista coletiva sobre as mudanças na estrutura do CTA, em São José dos Campos (interior paulista).
Pontes viajará à ISS (Estação Espacial Internacional) a bordo da nave russa Soyuz. O lançamento está marcado para o dia 30 de março. Atualmente, ele passa por um período de treinamento na Cidade das Estrelas, na Rússia. Pontes aproveitará o ambiente de microgravidade para fazer alguns experimentos encomendados por instituições nacionais.

Na semana passada, a Folha revelou que a viagem, antes prevista para outubro, foi adiada para março a pedido do governo brasileiro. As eleições teriam motivado o pedido. O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, negou que o adiamento tenha motivação política.
Quando lhe perguntaram se considerava razoável o governo gastar US$ 10 milhões com o projeto, sob o argumento de dar visibilidade ao programa, Velloso citou o escândalo do ‘mensalão’ para defender sua posição.

‘Eu acho que foi bom [o investimento]. É uma opinião pessoal. Tem gente que prefere dar US$ 10 milhões para mensalão do que lançar um astronauta. Eu acho que o mensalão foi muito pior do que o astronauta’, disse.
‘O fato de ele [Pontes] voar não traz nenhum avanço tecnológico. Claro que alguma coisa você ganha de conhecimento. Mas o que quero dizer é que nessa etapa o programa espacial está ganhando, porque está sendo divulgado para a nação’, declarou. Segundo ele, é preciso mostrar à população que ‘um programa espacial não é só lançar um foguetinho’.

Velloso ainda lembrou que o lançamento do astronauta brasileiro foi apenas um dos pontos do acordo original, que previa ainda a transferência de tecnologia para o Brasil, que então ficaria responsável pela fabricação de componentes para a ISS.