Quando em maio de 2010 o governo federal editou o decreto 7.175, instituindo as diretrizes gerais do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), podíamos acreditar que sabia quais seriam as estratégias que iria utilizar para democratizar o serviço de comunicações de dados no país. As medidas adotadas foram fortes e definitivas; a reativação da Telebrás ocorrida na mesma época é prova incontestável disto.
É curioso que naquela época as concessionárias de telefonia fixa reclamaram muito, alegando que pretendiam participar do PNBL e que o papel a ser desempenhado pela Telebrás poderia ser desempenhado por elas, a ponto de ajuizarem ação contra os planos do governo.
Em resposta, o governo jogou firme: em agosto de 2010, divulgou a lista das 100 primeiras cidades que passariam a estar interligadas à rede da Telebrás, das quais em 97 as concessionárias já atuavam.
A atuação do governo foi eficiente e se justificava, pois a reação imediata das teles foi reduzir o preço do acesso à internet tanto no varejo quanto no atacado. Ou seja, ficou evidente que faltava atuação estatal que estimulasse a redução dos preços e melhoria da qualidade do serviço, fator essencial para ampliar o acesso ao serviço de comunicação de dados em condições adequadas.
Queda de braço
Ocorreu que, estranhamente e na contramão dos movimentos que vinha fazendo, o Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital (CGPID) passou a atribuir às metas de backhaul – incluídas na proposta do próximo Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) correspondente aos contratos de concessão da telefonia fixa, cujo decreto está para ser editado – um papel fundamental para o PNBL.
Diante do fato de que as concessionárias reclamavam uma participação no PNBL, poderíamos supor que concordariam com as novas metas de universalização de expansão do backhaul (desde que se chegasse a um consenso sobre os custos para a implantação das metas). Mas não foi o que ocorreu.
Apesar de já terem aceitado implantar backhaul como obrigação relativa aos contratos de concessão de telefonia fixa, nos termos do decreto 6.424/2008, que estabeleceu a troca de metas de Postos de Serviços de Telecomunicações (PSTs) pela implantação das redes de acesso à internet, agora as teles se insurgiram contra o plano e foram bater às portas da Justiça para questionar a legalidade do PGMU III.
E as teles têm razão. A implantação de redes de acesso à internet nunca poderia ter sido incluída como obrigação vinculada aos contratos de telefonia fixa, na medida em que não são essenciais e nem necessárias para a prestação do serviço objeto dos contratos de concessão, gerando por isso custos injustificáveis a serem repassados para tarifa (art. 81, da Lei Geral de Telecomunicações – LGT) tornando a telefonia fixa inacessível para os cidadãos de baixa renda, violando os princípios da modicidade tarifária e universalização dos serviços públicos. Aliás, esta matéria já está judicializada desde maio de 2008 por iniciativa da Proteste – Associação de Consumidores, que moveu ação civil pública.
O impasse se colocou e o governo condicionou a negociação relativa às obrigações de universalização da telefonia fixa à desistência pelas teles das ações que tinham na Justiça contra a Telebrás e o PGMU III.
Ora, como poderia o governo fazer queda de braço com as concessionárias utilizando algo ilegal? A ameaça feita às concessionárias de edição do decreto com o novo PGMU III da telefonia fixa mantendo as metas de expansão do backhaul é inócua, não tem força devido a precariedade decorrente de sua evidente ilegalidade, discutida há pelo menos dois anos pela sociedade.
Condições equilibradas
E o que espera o governo como contrapartida à rendição quanto às metas de expansão do backhaul? Pasmem: que as teles ‘sejam generosas’ e façam propostas para a prestação do serviço de comunicação de dados, denominado de banda larga, em condições melhores de velocidade e preço no atacado e no varejo, levando o serviço às localidades que não lhes despertam interesse econômico, como vem sendo amplamente noticiado. Pior, utilizando uma rede pública de alta capacidade, de âmbito nacional e internacional, também conhecida como rede de troncos que, segundo o artigo 207 da LGT, deveria estar sendo operada por uma concessionária específica desde 1998 (modelo open reach).
Cabe, então, perguntars: mas, quando o governo lançou o PNBL, não pretendia justamente fazer frente ao poder significativo de mercado das concessionárias no provimento de acesso ao serviço de comunicação de dados? Como agora quer colocar as redes essenciais para a conexão de computadores à rede internet nas mãos dessas mesmas operadoras, se este fator é preponderante para o sucesso do PNBL?
Como pode o governo, com a urgência que se impõem para a democratização dos serviços de telecomunicações, inclusive a comunicação de dados, estar ‘esperando’ uma oferta melhor das teles?
O PNBL já foi editado e está em vigor. Agora, cabe ao governo editar o regulamento geral dos serviços de telecomunicações, como determinam a Constituição Federal e a Lei 9.649/1998, definindo, entre os demais serviços, o serviço de comunicação de dados (leia-se banda larga) e, em seguida, publicando o regulamento específico para sua exploração comercial, com parâmetros claros de qualidade e preço (ou tarifa, caso este serviço venha a ser incluído no regime público, como defendemos que seja feito, tendo em vista o que dispõe o § 2º, do art. 65, da LGT).
Esperar de empresas privadas, que já dominam os mercados e devem respostas aos seus acionistas a respeito de lucros, a iniciativa de compartilharem espontaneamente as redes públicas, que hoje detêm por força dos contratos de concessão, e as que estão por ser implantadas a preços módicos pode ser considerado, no mínimo, ingenuidade.
As chances de o governo conseguir expandir a penetração do serviço de comunicação de dados para as regiões mais pobres do país em condições adequadas pelas mãos das concessionárias são mínimas por uma razão muito simples: não há instrumento de pressão.
Se o governo pretende de fato levar adiante com algum sucesso o PNBL, vai ter de fazer a lição sozinho: fortalecer a Telebrás, criando uma subsidiária específica para operar as redes de troncos públicas, apropriadas indevidamente pelas concessionárias que as exploram em descompasso com o interesse público; e regulamentar os serviços de comunicação de dados para então licitá-los, respeitando os princípios da moralidade, eficiência e da impessoalidade, a fim de estabelecer condições equilibradas para todos os agentes de mercado que se interessarem (não faltarão interessados, tenho certeza) pela sua exploração comercial, de acordo com o art. 37 da Constituição Federal.
Como já nos dizia Geraldo Vandré: quem sabe faz a hora não espera acontecer!
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Advogada, coordenadora da Frente dos Consumidores de Telecomunicações