Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os planos do governo

O projeto de regulação dos meios de radiodifusão está longe de ser arquivado pelo governo, como se chegou a especular com a chegada de Dilma Rousseff à presidência. Auxiliares da presidente acreditam que o projeto despertou grande polêmica por ter sido apontado como um primeiro passo para um controle governamental sobre os meios de comunicação de massa, e que o momento eleitoral não foi bom para o debate sobre a proposta. O governo aguarda o melhor momento para apresentar as novas normas, aplicáveis à radiodifusão, a serem discutidas com os interessados.

Engana-se, portanto, quem vê nas declarações de autoridades do atual governo uma rejeição à ideia de regulação apresentada no ano passado pelo então ministro da Comunicação Social, Franklin Martins. Quando o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, avisa, como fez na semana passada, que fará um ‘pente fino’ para eliminar possíveis ‘besteiras’ no projeto deixado por Franklin, e que poderá desmembrá-lo em mais de uma proposta a ser encaminhada ao Congresso está demonstrando, na verdade, o forte interesse do governo em ver aprovada a proposta, depois de removidos os principais obstáculos políticos à sua tramitação no parlamento.

‘É um tema importantíssimo, que merece debate qualificado’, defende o representante, no Brasil, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Vicente Defourny. ‘É fundamental preservar o direito à livre expressão’, acrescenta. A Unesco está mais que acompanhando a discussão sobre a regulação de mídia; tem municiado o governo de informações e tende a ter maior visibilidade no debate, a partir dos próximos dias, quando começa a divulgar uma série de estudos sobre o tema, voltados ao caso brasileiro.

‘Ecologia do sistema midiático’

Na discussão, estão em jogo os interesses das atuais empresas de radiodifusão e também das companhias de telecomunicações que tem planos de atuar na área, com a chamada convergência digital – a possibilidade de acesso, por meio de um só aparelho, a serviços de telefonia, rádio, televisão, Internet e outros conteúdos de comunicação. Para o coordenador de Comunicação e Informação da Unesco, Guilherme Canela Godoi, o modo de conduzir a discussão sobre o tema, adotado pelo governo no ano passado, deixou o debate ‘comprometido’, e exige correções de rumo.

‘A primeira coisa que deve ser feita é deixar clara a separação, no debate, entre jornalismo e mídia eletrônica’, recomenda Godoi, que também lembra a necessidade de deixar clara a independência do jornalismo impresso, que estaria excluído das regras em discussão pelo governo. O governo tem o apoio da Unesco para a proposta de criação de um órgão regulador oficial independente, como existem em outros países. ‘Não estamos falando de controle social da mídia, mas em uma instituição que sirva de canal da sociedade para aplicação de regras do jogo claras’, diz Godoi.

Se o modelo a ser adotado pelo governo tiver os parâmetros recomendados pelos técnicos que trabalham sobre o assunto para a Unesco, ele introduziria no país um novo órgão regulador independente para serviços de mídia eletrônica, com regras claras de atuação e intervenção no mercado. A atuação do órgão, segundo o diretor da Unesco Vincent Defourny está relacionada ao que ele chama de ‘ecologia do sistema midiático’, com questões como as regras de propriedade no setor. Um ponto visto com simpatia pelos especialistas da Unesco é a criação de normas de autorregulação, para que as próprias empresas do setor se encarreguem de regras básicas de conduta.

Focos de conflito

A autorregulação, para os técnicos da Unesco, que coincidem nesse ponto com o governo brasileiro, conviveria com o órgão independente federal. A fiscalização e eventuais punições relacionadas a questões de conteúdo dos meios de comunicação (proibição de pedofilia, por exemplo) ficaria a cargo do próprio setor, por meio dessa autorregulação, que fixaria claramente limites de conduta, com mecanismos para que a sociedade possa recorrer contra o que não for apropriado, em um modelo semelhante ao que existe em outros países, como a Inglaterra.

A Unesco destacou três especialistas para estudar, por um ano, o caso brasileiro, em consultas a atores relevantes como a Associação Nacional dos Jornais e a Abert, que reúne as emissoras de TV. A partir da semana seguinte ao Carnaval, a organização começa a divulgar os resultados, o que deve reaquecer a discussão que o governo começa a retomar aos poucos, em declarações esparsas do ministro Paulo Bernardo, no comando do tema. Também estão envolvidas no tema as ministras da Comunicação Social, Helena Chagas, e da Cultura, Ana de Holanda, além do ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci.

Um desses estudos compara as regras e a realidade brasileiras com outros dez países democráticos. Outro faz recomendações específicas ao Brasil sobre medidas para assegurar livre trânsito de informações e liberdade de expressão. Um terceiro estuda a fundo casos de autorregulação, com uma análise sobre resultados e experiências passíveis de aplicação no Brasil. Um outro trabalho, sobre o real papel público e social das chamadas redes de mídia pública, como EBC e TV Cultura deve ser divulgado durante o ano.

Em lua de mel com os meios de comunicação, após o período de atritos frequentes no governo Lula, Dilma, segundo um auxiliar próximo, está decidida a remover ao máximo os focos de conflito com a mídia. Terá grande surpresa, porém, quem imagina que a disposição da presidente significa abandonar o projeto de regulação dos meios de difusão eletrônica. O debate sobre como fazê-lo avançar está ativo no governo.

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Repórter especial do Valor Econômico