Dos grandes jornais brasileiros, o Globo não só foi o que mais bem noticiou a tragédia na universidade americana Virginia Tech, em Blacksburg, mas – fazendo o que cada vez mais se espera da imprensa – publicou uma análise de qualidade do ocorrido, enviada pelo seu veterano correspondente em Washington, José Meirelles Passos.
Sob o título ‘Crime reabre debate sobre causas da violência’ e o sub
‘Especialistas apontam para fatores mentais e sociais na raiz do problema, mas discordam sobre acesso a armas’, diz o artigo:
‘Como nas matanças anteriores em escolas dos Estados Unidos, a tragédia de ontem fez brotar uma discussão cujas conseqüências invariavelmente acabam sendo esquecidas — ou deixadas de lado — até que surja uma nova catástrofe.
O que, afinal, está por trás disso? O que acontece na cabeça do assassino? E qual o papel da abundante oferta legal de armas no mercado, num país onde é mais fácil obter uma licença para atirar do que para dirigir um veículo? As primeiras reações de especialistas, ontem, apontavam tanto para distúrbios mentais quanto, principalmente, sociais — estes mais conectados com fatores culturais.
– Acho que é um erro dizer que uma matança como a da Virgínia é culpa da disponibilidade de armas. Elas estavam aí, disponíveis, nos anos 50, nos 60, e até mesmo nos 70, e não vimos incidentes como esse acontecendo com tanta freqüência naqueles períodos.
Algo mudou nos anos 80 e 90, quando isso passou a se repetir quase mensalmente — disse Richard Arum, sociólogo da New York University.
Na opinião dele, trata-se de uma “terrível manifestação” de que a sociedade americana vem falhando na condução dos aspectos mais corriqueiros da convivência humana. E isso, disse ele, leva à falta de um convívio saudável: — A falta de autoridade nas escolas, que leva a problemas de disciplina, ou melhor, de falta de disciplina, tem ajudado a aprofundar o problema mais amplo, que é o da falta de sociabilização dos jovens que cada dia mais vivem uma vida virtual, através de computadores, de video games. Daí vem a desordem e as explosões de violência — disse Arum.
Seu colega, Peter Sheras, da Universidade da Virgínia, acha que a maioria dos crimes como o de ontem se deve, em princípio, a alguma desordem psicológica de quem os comete: — Eles são cometidos, com mais freqüência, por pessoas que nós classificamos como vítimas, elas próprias, da violência ou da humilhação e não conseguem encontrar meios de controlar a raiva que nasce disso. E a conseqüência acaba surgindo de uma forma muito dramática, muito trágica, como vimos agora na Virgínia — disse ele.
Sheras concorda, em parte, com o diagnóstico de Arum — com referência aos problemas socioculturais: — De fato temos de considerar que existem muitos modelos ruins que ensinam como agir em público dessa forma violenta e catastrófica. Vemos isso cada vez mais nas telas de cinema e de TV — disse o sociólogo.
Maury Nation, da Vanderbilt University, endossou. Mas, para ele, a facilidade do acesso às armas contribui para esse fenômeno tão comum na sociedade americana: — Há uma variedade de fatores em jogo em casos desse tipo. Certamente o índice de violência que nossas crianças observam no dia-a-dia é um deles, assim como o acesso às armas. É verdade que sempre houve questões que provocaram agressão entre estudantes.
Mas quando se mistura isso com os desequilíbrios sociais que vemos em nossa cultura, mais o acesso às armas, tornam-se maiores as chances de aumentar a violência mortal, como temos visto nos últimos anos — disse Nation.’
Alguém, com um mínimo conhecimento da vida americana, pode duvidar disso?
P.S.
Em compensação, palmas para o Estadão por ter sido o único a lembrar que a matança de Blacksburg não foi a maior do gênero na história dos Estados Unidos – erro em que incorreu até o New York Times. A ‘tragédia esquecida’, como aponta o Estado, foi a chacina de 45 pessoas, quase todas estudantes, a dinamite, na Escola Bath, em Michigan, a 18 de maio de 1927.***
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