Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Falta lixo na imprensa

Sobra lixo na imprensa.

O lixo, bem entendido, que a imprensa vasculhou nos últimos meses nas duas casas do Congresso.

O lixo que falta é o propriamente dito: os incontáveis milhões de toneladas produzidos pela chamada civilização industrial – civilização do desperdício é o termo certo.

Foi preciso o que o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, viria a designar, com o seu gosto incurável pelo exagero, “racismo ambiental” – a revelação de que 1,7 mil toneladas de lixo foram despachadas ilegalmente da Inglaterra para o Brasil em 89 contêineres – para os nossos jornais abordarem o assunto, mas indo muito pouco além do episódio criminoso, considerando que esse que é um dos maiores problemas do mundo.

E mesmo assim, nenhum dos grandes diários nacionais deu manchete de primeira página com a história. O Times de Londres, sim.

O problema de fundo são dois. O primeiro é que a produção de lixo cresce em ritmo mais acelerado do que a economia global. Tem lixo onde menos se pensa. Até a democracia deixa um rastro de lixo. O Valor desta sexta-feira, 24, noticia que o Tribunal Superior Eleitoral vai reciclar 800 toneladas de urnas eletrônicas, disquetes e barterias de chumbo ácido utilizados nas eleições brasileiras durante os anos 1990. Boa matéria, por sinal.

Ninguém sabe exatamente é o que fazer com o entulho que não é reciclável. Os países ricos pagam a outros para reciclar os seus resíduos. A Grã-Bretanha, para ficar no caso do momento, permite a exportação para esse fim, mas o que sai dali clandestinamente, disfarçado de material plástico, por exemplo, não está escrito. De vez em quanto alguém é flagrado e processado. Três homens foram presos em conexão com o monturo remetido ao Brasil.

O segundo problema é que o comércio ilegal de lixo é um negócio em que empresas regulares encostam nas máfias que traficam tudo que é proibido e extremamente rentável: drogas, armas, mulheres, imigrantes, órgãos humanos, objetos de arte, crianças para adoção, minerais raros, produtos químicos, artigos de luxo falsificados, plutônio – lo que quieras, como dizem os argentinos.

Calcula-se que a atividade movimenta o equivalente a 10% do comércio mundial. É questão policial, política, diplomática, econômica e de segurança para ninguém pôr defeito.

O economista venezuelano Moisés Naim, editor da revista americana Foreign Policy, publicou sobre o assunto, em 2005, o best-seller editado no ano seguinte no Brasil sob o título “Ilícito – O ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global” [O título original é mais expressivo. ”Illicit: how smugglers, traffickers, and copycats are hijacking the global economy”] A National Geographic produziu um documentário com base no livro.

Seria uma boa hora para entrevistá-lo a propósito do lixo que aportou aqui. Outra coisa oportuna seria chamar a atenção do leitor para um fato alarmante: o Brasil ainda não tem uma política nacional de resíduos sólidos.

Pelo menos O Estado de S.Paulo publicou uma matéria-guia que poderia ser intitulada “O mínimo que você precisa saber sobre o que joga fora”. [O título é “Projeto de lei de resíduo sólido tramita desde 1991”.]

Lá vai:

“A importação de resíduos e lixo é proibida no Brasil, pois o País é signatário da Convenção da Basileia, que proíbe o trânsito de resíduos sólidos e líquidos perigosos entre países. Entretanto, de acordo com a situação do mercado, empresas que atuam no Brasil podem importar alguns materiais, como sucata de papel, ferro, aço, segundo informações da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) e da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos (Abetre). O alto valor de multas e os elevados preços da tonelada de lixo depositada em aterros nos países desenvolvidos leva companhias a exportar seus detritos.

1. Há uma legislação internacional que regule o comércio de resíduos?

Em 1993, Brasil e Reino Unido assinaram a Convenção da Basileia, que proíbe o trânsito de resíduos sólidos e líquidos perigosos entre países. Essa convenção foi estabelecida como um meio de acabar com a destinação ilegal dos resíduos perigosos dos países industrializados, principalmente os EUA, Canadá, Europa Ocidental e Japão, aos países em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina, ou mesmo para a Antártida e países da Europa Oriental, causando danos ambientais. A medida não proíbe o movimento transfronteiriço de resíduos perigosos, apenas estabelece regras que podem ser regulamentadas.

2. Qual o custo da disposição do lixo em países desenvolvidos e a destinação em outros países?

A disposição de uma tonelada de resíduos perigosos nos países desenvolvidos custa de US$ 100 a mais de US$ 2 mil, enquanto que nos outros países custa em torno de US$ 2,50 a US$ 70.

3. Se o país tem problemas em destinar seu lixo, por que ainda o importa?

O Brasil já chegou a importar pneus usados para a indústria da recauchutagem, sucata de ferro, aço, papel e papelão. Mas varia de acordo com a necessidade de mercado.

4. O Brasil exporta resíduos?

A indústria nacional exporta alguns resíduos de equipamentos eletroeletrônicos e baterias de celulares para serem reprocessados em outros países.

5. Para que servem os resíduos importados?

O lixo importado serve para alimentar a indústria brasileira. Mas esse tipo de prática não é usual. Esse tipo de importação é regulada pelo Ibama.

6. Há algum empecilho legal que proíba o País de receber lixo?

Como um dos 168 signatários da Convenção da Basileia, o Brasil proíbe a importação de muitos resíduos. Mas ainda não existe uma política nacional de resíduos sólidos, cujo projeto de lei tramita no Congresso desde 1991. Não há controle do envio de resíduos industriais de um Estado a outro, para tratamento. Cerca de 14% dos resíduos industriais são levados para outros Estados, para serem tratados, em função da tecnologia existente.”