Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A presidente e o ensino à distância


Jornal do Brasil, 17/2


Deonísio da Silva


A presidente e o ensino à distância


O povo brasileiro é soberano e escolheu Dilma Rousseff para presidente da República. Na urna eletrônica, não apareceu a palavra presidenta.


O soberano não pode dispensar a educação. Inclusive, o tema vem se tornando referência solar do governo. Pedro Calmon cunhou tal programa num dito muito feliz: ‘o povo é soberano, eduquemos o soberano’.


Até hoje a educação tem sido tarefa incompleta. O Brasil continua na rabeira daquelas nações que têm baixos índices de desempenho em todas as avaliações. Mas melhorou muito e isso a mídia gosta de ignorar, para desgosto de tantos, entre os quais me incluo. Apesar de ter escrito um romance cujo título é Avante, soldados: para trás, (10ª edição, Editora Leya), metáfora do Brasil, segundo meu ex-professor Eduardo Portella, defendo o trato justo, a conversa clara: o País vem mudando para melhor em muitos temas. Façamos como o Brasil fez na Retirada da Laguna. Retirou-se para vencer depois. Às vezes, a retirada é indispensável, que o digam os comandantes militares.


Quem formula mal os problemas, já começa a complicar as soluções. Vejamos o primeiro caso. Temos espírito. Até os animais têm espírito e sem espírito não teriam o sopro vital que os faz viver. Na linguagem coloquial, quando alguém resiste a compreender, diz-se que não entendeu bem o espírito da coisa.


A senadora Marta Suplicy me fez concordar com José Sarney, atual presidente do Senado, ao corrigi-lo e exigir que se referisse à presidente Dilma tratando-a como ‘presidenta’. Sarney replicou que as duas formas estão corretas, mas que prefere o modelo francês: ‘madame le Président’. Este é o espírito da coisa! E, aliás, de outros tantos tratamentos e etiquetas sociais!


Presidente e presidenta são formas igualmente corretas, assim como entrar é sinônimo de penetrar, mas é do espírito da língua distinguir o contexto para usar uma ou outra.


Quando, na novela Roque Santeiro, o professor Astromar, exagerando na outra ponta, com seu português falsamente culto, perguntava ‘posso penetrar?’, a virgem Mocinha, filha do prefeito Florindo Abelha, ficava inquieta. Mas enfim a autorização era dada para que entrasse e não para que penetrasse, pois no primeiro caso seria a casa e no segundo a namorada.


Outro exemplo. O Mec preferiu tirar a crase de ‘educação à distância’. Como nas estradas, o ex-Dner, atual Dnit, põe crase onde não tem, o Mec inovou, tirando onde tem. Esperamos que não prossiga, mandando ‘estudar a noite’ em vez de ‘estudar à noite’. No primeiro caso é com os astrônomos. No segundo é com os alunos.


O gramático Celso Luft pontifica em seus livros: ‘A tendência da língua é acentuar o A inicial das locuções femininas (adverbiais, prepositivas e conjuntivas), mesmo quando não é crase’. Cláudio Moreno, meu colega de docência na Universidade Estácio de Sá, no Rio, recomenda a quem o consulta sobre a crase em ‘ensino à distância’. ‘Não hesites: usa o acento e estarás aderindo ao sentimento da grande maioria dos brasileiros’.


As orquestras não dirigem os maestros! (xx)



 


 


Agência Carta Maior, 15/2


Emir Sader


Lula, Dilma e a velha mídia


O esporte preferido da mídia é fazer comparações da Dilma com o Lula. Sem coragem para reconhecer que se chocaram contra o país – que deu a Lula 87% de apoio e apenas 4%b de rejeição no final de um mandato que teve toda a velha mídia contra – essa mídia busca se recolocar, encontrar razões para não ser tão uniformemente opositora a tudo o que governo faz. O melhor atalho que encontraram é o de dizer que as coisas ruins, que criticavam, vinham do estilo do Lula, que Dilma deixaria de lado.


Juntam temas de política exterior, tratamento da imprensa, rigor nas finanças públicas, menos discurso e mais capacidade executiva, etc., etc. Como se fosse um outro governo, de outro bloco de forças, com linhas politica e econômica distinta. Quase como se a oposição tivesse ganho. Ao invés de reconhecer seus erros brutais, tratam de alegar que é a realidade que é outra.


Como se o modelo econômico e social – âmago do governo – fosse distinto. Como se a composição do governo fosse substancialmente outra, como partidos novos tivessem ingressado e outros saído do governo. Apelam para o refrão de que ‘o estllo é o homem’ (ou a mulher), como se a crítica fundamental que faziam ao Lula fosse de estilo.


No essencial, a participação do Estado na economia está consolidada e, se diferença houver, é para estendê-la. Os ministérios econômicos e sociais são mais coerentes entre si, tendo sido trocados ministros de pastas importantes – como comunicação, saúde e desenvolvimento – para reafirmar a hegemonia do modelo de continuidade com o governo Lula.


A política externa de priorização das alianças regionais e dos processos de integração foi reiterada na primeira viagem da Dilma ao exterior, à Argentina, assim como no acento no fortalecimento dos processos latino-americanos, como a ênfase na aproximação com o novo governo colombiano e a contribuição ao novo processo de libertação de reféns comprova.


O acerto das contas publicas se faz na lógica do compromisso do governo da Dilma de estabelecimento de taxas de juros de 2% ao final do mandato, alinhadas com as taxas internacionais, golpeando frontalmente o eixo do principal problema econômica que temos: as taxas de juros reais mais altas do mundo, que atraem o capital especulativo. A negociação do salário mínimo se faz com o apoio do Lula. A intangibilidade dos investimentos do PAC já tinha sido reafirmada pelo Lula no final do ano passado.


Muda o estilo, ênfases, certamente. Mas nunca o Brasil teve um governo de tanta continuidade como este, desde que se realizam eleições minimamente democráticas. A velha mídia busca pretextos para falar mal de Lula, no elogio a Dilma, tentando além disso jogar um contra o outro. A mesma imprensa que não se cansou de dizer que ela era um poste, que não existiria sozinha na campanha sem o Lula, etc., etc., agora avança na direção oposta, buscando diferenças e antagonismos onde não existem.


 


 


Folha de S. Paulo, 13/2


Mariana Barbosa


Cultura quer foco em economia criativa


A terceira maior indústria do mundo, atrás de petróleo e de armamentos, tem como principal insumo a criatividade.


Da moda ao design, passando por cinema e literatura e incluindo a produção de software, a chamada indústria criativa movimenta mais de R$ 380 bilhões no Brasil, segundo estimativa da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro).


O setor ganha neste ano maior relevância institucional, com a criação, no Ministério da Cultura, da Secretaria da Economia Criativa.


O conceito vem dos anos 90: indústrias criativas são aquelas com potencial de geração de riqueza e emprego por meio da utilização de propriedade intelectual.


Do conceito surgiram experiências de cidades ou núcleos criativos, como forma de transformação de áreas degradadas e de desenvolvimento sustentável.


Caso de Glasgow, que uniu todas as disciplinas em uma só escola no meio de uma área degradada e violenta. Por meio do envolvimento dos alunos -designers, estilistas e artistas- com a comunidade, a área foi recuperada.


A criação de núcleos e redes de cidades criativas é uma das prioridades da nova pasta, revelou à Folha a secretária de Economia Criativa, Cláudia Leitão.


Ela diz que quer se aproximar do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), órgão do próprio Ministério da Cultura, para estimular a geração de núcleos criativos.


‘Temos que promover uma ocupação de prédios históricos que seja inclusiva e que gere riqueza’, diz Leitão, ex-secretária de Cultura do Ceará e professora da Universidade Federal do Ceará.


‘Temos muito o que aprender com as experiências de fora, da Austrália, de Barcelona.’


CONTRAEXEMPLO


Já o exemplo do que não fazer vem de Salvador. ‘A reforma do Pelourinho tinha enganos graves. Foi feita a partir de uma visão do turismo, de exclusão. Temos de incluir a população local.’


Outro exemplo de patrimônio com potencial de se transformar em cidade criativa é o centro de São Luís.


‘O Maranhão precisa tornar a diversidade um ativo para a sua economia. Precisa ir muito além do título de Patrimônio da Humanidade.’


Interessada no tema desde o início dos anos 2000, Leitão foi para Brisbane, na Austrália, estudar com os grandes pensadores da área.


‘Esse é um conceito novo, que precisa ser compreendido pela sociedade’, diz Leitão. ‘Você tem ainda uma visão negativa, que nasce com a Escola de Frankfurt, com uma visão apocalíptica da indústria cultural.’


Segundo ela, o Brasil precisa empreender mais na área e exportar a diversidade cultural, do mamulengo ao software e à arquitetura.


‘A criatividade é um insumo que não acaba e a economia criativa pode ser uma grande estratégia de desenvolvimento com distribuição de renda.’


ATRASO


O tema chega ao Brasil com atraso de 17 anos. Em 1994, a Austrália foi o primeiro país a apontar a necessidade de desenhar políticas públicas para estimular a economia movida a cultura e criatividade.


Mas o termo indústria criativa só ganhou visibilidade internacional em 1997, quando o governo britânico do trabalhista Tony Blair criou a Força-Tarefa das Indústrias Criativas.


 



O Estado de S. Paulo, 17/2


Jotabê Medeiros


Resgatado texto que veta censura


Foi protocolado na quarta-feira, às 19 h, na Câmara dos Deputados, em Brasília, o projeto de lei que permite a divulgação da imagem e informações biográficas de pessoas de notoriedade pública. A autora passa a ser a deputada Manuela D’Ávila (PC do B-RS) – originalmente, o projeto era de autoria do então deputado Antonio Palocci (hoje ministro da Casa Civil da Presidência) e obteve parecer favorável do relator, José Eduardo Martins Cardozo (hoje também ministro).


Mas, segundo revelou o Estado de S.Paulo no dia 5 deste mês, o projeto foi engavetado sorrateiramente no dia 31 de janeiro, após três anos de trâmite no Congresso Nacional. Após a informação ter se tornado pública, escritores, intelectuais e jornalistas se manifestaram, e o próprio Palocci e Martins Cardozo passaram a pressionar para que retornasse à pauta.


‘Num ato de cortesia’, Manuela D’Ávila comunicou a Palocci e Cardozo sua intenção de reapresentar o projeto – ele só poderia ser desarquivado pelo próprio Palocci, mas este não tem mais mandato de deputado. Segundo Manuela, o texto vai ter o mesmo trâmite que o antigo, e deverá passar agora pelas Comissões de Educação e Cultura e de Constituição e Justiça da Câmara. ‘Como já foi relatado, acredito que vai ter um trâmite mais rápido’, disse a deputada.


Ela informou que não foi feita nenhuma alteração no texto. O projeto visava a uma ementa ao artigo 20 do Código Civil brasileiro que trata do direito à imagem. Há um acúmulo de casos em que famílias de artistas (ou os próprios) têm ido à Justiça (com sucesso) para impedir a publicação de livros de terceiros que contem suas vidas, como foi o caso recente do livro Roberto Carlos em Detalhes, de Paulo César Araújo. Autores como Ruy Castro e Fernando Morais foram vítimas desse desvio da legislação.


Para Manuela D’Ávila, tal dispositivo, se mantido como vigora, ameaça a liberdade de expressão em outros níveis – até um caderno especial de um jornal ou verbetes da Wikipedia com informações biográficas podem ser objeto de restrição por parte de autores e familiares.


O relator do projeto antigo, o então deputado José Eduardo Martins Cardozo, defendeu que a modificação na lei se justificava para ‘melhor ponderar situações de conflito que ocorrem cotidianamente entre o direito à imagem e à privacidade de um lado e o direito à liberdade de informação e ao acesso à cultura’.


Segundo Palocci, sua grande preocupação era com o risco que o gênero e a sociedade correm de ver histórias fundamentais simplesmente se perderem. ‘Penso que é fundamental para a sociedade conhecer sua história. As biografias de pessoas de interesse público têm um papel muito importante nesse sentido. Afinal, a soma de cada uma das histórias dessas personagens, inclusive com suas diferentes e quase sempre visões conflitantes de mundo e dos fatos em si narrados, é que escreve a história de um povo e de uma nação.’


Autores de biografias vivem sob a ameaça de perderem os investimentos de tempo e recursos em trabalhos que podem não se concretizar. É o caso, por exemplo, do jornalista Edmundo Leite, do Estado, que escreve biografia sobre Raul Seixas e, também em 2009, recebeu o seguinte telegrama de Kika Seixas (quarta das cinco ex-mulheres de Raul): ‘Caso o senhor insista na realização irregular de tal biografia, serão tomadas as medidas judiciais cabíveis’.


PERCURSO


Tema já foi amplamente debatido


No dia 7 de maio de 2008, foi apresentado no plenário da Câmara o projeto do deputado Antonio Palocci (PT-SP). A proposta consistia numa alteração do artigo 20 da Lei Federal n.° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, visando a garantir a liberdade de expressão e informação. Em novembro, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) deu parecer favorável ‘pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa’. No dia 31 de janeiro, em novo mandato legislativo, o projeto foi arquivado.