A Fair – Fairness & Accuracy In Reporting (www.fair.org), organização americana de crítica de mídia, publicou no dia 12 o artigo ‘Punição seletiva mostra a verdadeira tendenciosidade da mídia’, no qual critica o estardalhaço da cobertura do caso CBS, em que o repórter Dan Rather, do programa 60 Minutes, apresentou documentos sobre o serviço militar do presidente Bush apontados como falsos. Para a Fair, a imprensa deveria ter dado atenção também ao conteúdo dos documentos e investigado as informações neles contidas.
Pelo interesse da imprensa na investigação da CBS sobre o ‘Memogate’, como é chamado o caso nos Estados Unidos, parece até que a credibilidade da matéria do 60 Minutes era o mais importante assunto da mídia para a nação, diz a Fair.
E Bush, cumpriu ou não cumpriu?
Era plena campanha eleitoral, e logo depois que a matéria foi ao ar, em 9 de agosto de 2004, colunistas e blogueiros de direita denunciaram que eram fraudulentos os documentos que sustentavam a reportagem, o que constituía prova cabal da tendência esquerdista da imprensa.
A CBS entregou a revisão da matéria ao ex-ministro da Justiça Dick Thornburgh (nomeado por Bush pai) e a Louis Boccardi, ex-presidente da Associated Press, mas os dois não conseguiram provar conclusivamente que os documentos eram forjados, nem encontraram indícios de tendenciosidade política no jornalismo da emissora. Mas registraram muitos erros dos profissionais da CBS, notadamente da produtora Mary Mapes: havia falhas graves na checagem das informações dadas pelas fontes – um problema endêmico nas redes comerciais de TV, opina a Fair. Se o ‘Memogate’ tivesse chamado atenção para a prática generalizada do jornalismo ingênuo teria prestado valioso serviço ao público. Mas o foco principal foi o que considerou emblemática a tendenciosidade da mídia esquerdista.
A questão central ficou sem resposta: George W. Bush cumpriu corretamente suas obrigações com a Guarda Nacional? Em 14 de setembro de 2004, Fair escreveu que a CBS foi apenas um dos veículos a noticiar documentos discrepantes sobre o serviço militar de Bush. Por causa do ‘Memogate’ e das acusações da direita, essas matérias – e as importantes questões que levantavam – foram esquecidas.
Carreiras de futuro
O estardalhaço em torno do episódio custou a carreira ao pessoal da CBS. O mesmo não aconteceu com repórteres que erraram na cobertura dos preparativos para a guerra da Casa Branca ao Iraque, lamenta a Fair. Por exemplo, no New York Times.
O Times admitiu (26/5/04) ter publicado informações controvertidas sobre armas de destruição em massa que parecem questionáveis agora – ‘foram insuficientemente qualificadas ou permaneceram inalteradas’, dizia o mea-culpa do jornal –, mas a repórter responsável pela maior parte destas matérias, Judith Miller [ver remissão abaixo], nunca foi punida pelo jornal – na verdade, continua a escrever sobre o Iraque. Ironicamente, no dia 10 de janeiro, depois que o programa Hardball, do canal MSNBC, encerrou o debate sobre a CBS e a responsabilidade jornalística, passou a discutir o Iraque com… Judith Miller.
A Fair esqueceu que, ‘como em Harvard, entrar no Times é difícil, mas sair é pior ainda’, como disse Howell Raines, o editor-executivo do New York Times deposto no rastro do caso Jayson Blair. Em balanço de sua gestão publicado em The Atlantic Monthly, ele foi taxativo: ‘No NYT nunca demitimos ninguém’ [ver remissão abaixo].
A lição do ‘Memogate’, portanto, conclui a Fair, é que jornalistas podem ser punidos por praticar mau jornalismo – se ofenderem as pessoas erradas. Se apenas ajudaram a levar o país à guerra sob pretextos falsos, suas carreiras podem prosseguir sem problemas.