Desde meados de março passado, quando o Banco Central deixou o dólar flutuar ao sabor do mercado, os leitores dos grandes jornais vêm sendo bombardeados por reportagens que vocalizam a queixa de setores afetados pela valorização do real perante o dólar. Os lobbies ganharam espaço com denúncias genéricas, sem a apresentação de números comprováveis, com previsões para lá de catastróficas sobre a devastação que o dólar abaixo dos R$ 3 estaria causando em setores inteiros da economia. Em síntese, disseram que a alta do real iria derrubar as exportações, multiplicar as importações e aumentar o desemprego, e que só a volta imediata das compras de dólares pelo Banco Central, para derrubar o real, evitaria a devastação da economia. O problema é que as profecias que davam o desastre como certo não se confirmaram – pelo contrário. As exportações só fizeram crescer, as importações não inundaram o mercado interno de quinquilharias, o desemprego manteve-se estabilizado. Diante da realidade dos números da balança comercial, divulgados semanalmente pelo governo, com números apontando para o sentido oposto, os jornais continuaram não investindo em reportagem e acomodaram a contradição e não mudaram de postura. Apenas acrescentaram a expressão ‘apesar do dólar’ em toda matéria ligada direta ou indiretamente ao comércio exterior. A advertência ‘apesar do dólar’ a enfrentar a realidade teimosa dos números, no entanto, mudou com a divulgação dos números globais do comércio exterior do mês de maio e do acumulado em 2005. Os jornais inovaram e, para dissimular a incoerência entre realidade e discurso, esconderam como puderam a notícia de que o comércio externo manteve-se no superávit, ‘apesar do dólar’. Os recordes da balança comercial de maior e do acumulado no ano inspiraram apenas a Gazeta Mercantil e O Estado de S.Paulo a levar o assunto para a primeira página. O Estado, registre-se, foi o único a trazer a palavra ‘recorde’ na submanchete ‘Apesar do dólar, exportações batem recorde’. Nos demais, predominou a ocultação. O Valor Econômico, o que mais amplificou as queixas dos lobbies, trouxe nada na primeira página e a reportagem ‘Importação acelera ritmo em maio’. No texto, depois do esperado ‘apesar da cotação do dólar abaixo de R$ 2,50 durante o mês’, admitiu que ‘as exportações chegaram ao recorde de US$ 9,8 bilhões, em grande parte sustentadas pela manutenção de vendas de manufaturados, como automóveis, e pelo aumento dos preços internacionais de commodities, como o ferro. As importações também chegaram ao recorde de US$ 6,4 bilhões. O saldo da balança comercial, de US$ 3,45 bilhões, foi o quarto maior da história e também recorde para os meses de maio’. Na Folha de S.Paulo, nada também na primeira página. Com o título maroto ‘Saldo da balança cai e importação dispara’, os recordes foram rebaixados para o quarto parágrafo com o registro de que, ‘mesmo com a queda do dólar, o desempenho das exportações vem registrando recordes desde o ano passado. Nos últimos 12 meses o Brasil embarcou US$ 105,968 bilhões, 32,6% a mais que nos 12 meses anteriores, e importou US$ 67,857 bilhões. Como as importações cresceram 30,5% no período, o saldo foi de US$ 38,1 bilhões, recorde para um período de 12 meses’. No O Globo, mais uma vez nada na primeira página, tão somente o registro na reportagem ‘Novos recordes no comércio exterior do país’, em apoio à reportagem principal da página, ‘Mercado prevê alta de juros. Dólar sobe’. No Jornal do Brasil, finalmente, também nada na primeira. Os recordes foram diluídos na reportagem ‘Saldo da balança comercial cai 11%’. A crise desatada pela entrevista do presidente do PTB, Roberto Jefferson, à Folha de S.Paulo, na segunda-feira, 6 de junho, finalmente elevou o dólar, mas sem fôlego suficiente para atender aos lobbies. A não ser que uma hecatombe desestabilize irremediavelmente o governo, as denúncias de Jefferson não devem desestabilizar o real. Depois de bater nos R$ 2,50, o dólar fechou a semana da crise em R$ 2,473, com sinais de que não há base sólida para manter a alta. Com essa perspectiva, a ladainha do ‘apesar do dólar’ deve continuar. Os números que a maioria dos jornais procurou esconder são os seguintes: 1. durante o mês de maio, o Brasil exportou US$ 9,819 bilhões e importou US$ 6,267 bilhões – ambos números recordes para um único mês; 2. o desempenho comercial do Brasil nos cinco primeiros meses de 2005 marcou recorde tanto nas exportações – US$ 43,472 bilhões – quanto nas importações – US$ 27,826 bilhões; 3. o recorde nas importações no mês de maio foi puxado principalmente pela compra matéria-prima para a produção, máquinas e equipamentos; 4. as exportações de maio cresceram 23,6%, em comparação com abril, apesar da queda de dois dos mais importantes produtos que o Brasil vende ao exterior: a soja vendeu menos 28,6%, e os aviões (leia-se Embraer) menos 41,6%; 4. o desempenho comercial do mês foi positivo, apesar da queda de participação de 26,2% da China, do grande comprador do mundo, a China. Voz isolada Isolado, o jornalista Celso Ming, do O Estado de S.Paulo, não escondeu as marcas obtidas pelas empresas brasileiras nem se rendeu ao círculo vicioso do ‘apesar do dólar’. Nos dias 2 e 7 deste mês, enquanto os demais jornais procuraram esconder a realidade, sua coluna registrou que ‘o comportamento exuberante das exportações está empurrando o superávit comercial a níveis nunca vistos e vai tirando força dos argumentos dos exportadores de que o dólar está barato demais’. No dia 7, desmontou outro argumento falso dos lobbies – a de que a alta do real devia-se à especulação do capital estrangeiro com os rendimentos oferecidos pelos juros de 19,75%, ao ano – a maior taxa do mundo. ‘A diferença entre exportações e importações injetou US$ 17,8 bilhões, contra e saída na Conta de Capitais Financeiros (entrada e saída de recursos financeiros) de US$ 9,8 bilhões. A conclusão é a de que houve saldo positivo de US$ 8,5 bilhões que provêm das exportações e não da entrada de capitais’.
O valor do real está abaixo do pleiteado pelos lobbies que dependem do incentivo da moeda fraca para manter competitividade por um único motivo: o mercado está encharcado por dólares obtidos justamente pelos bons resultados nas exportações.