Folha de S. Paulo, 13/2
Fabiano Maisonnave
Arte contra censura
No Brasil, filme com ‘sex shop’ tem grife da Globo e estreia nacional. Na China, a história é um pouco mais complicada.
‘Revolução da Luz Vermelha’ é ousadia do diretor australiano Sam Voutas. Com elenco chinês (os diálogos são em mandarim) e ambientada num ‘hutong’, localidade de urbanização tradicional de Pequim, a comédia gira em torno de Shunzi, que resolve abrir um ‘sex shop’ após perder o emprego e a mulher.
A produção independente não estreou no ano passado na China, como planejado, por problemas com a censura e por falta de recursos para a distribuição. Mas o filme já foi visto até no Brasil: participou da Mostra de Cinema de São Paulo de 2010. Contra a censura, Voutas argumenta que não há cenas de nudez frontal (embora sobrem pênis de borracha).
Em tempo: há dezenas de ‘sex shops’ em Pequim, muitas atendidas por mulheres acima dos 40 anos vestidas de enfermeira. E o país é o maior produtor mundial de brinquedos eróticos.
Literatura SEM PERMISSÃO
Já estão à venda em Pequim os ingressos para o concorrido festival literário internacional da livraria Bookworm, reduto de diplomatas, correspondentes e outros expatriados na capital chinesa. De 4 a 18 de março, autores chineses e estrangeiros debaterão temas como a imagem da mulher e a ficção científica na literatura contemporânea do país.
Os nomes locais incluem Bi Feiyu, cujo ‘Três Irmãs’ acaba de ser traduzido ao inglês, Yan Lianke, autor de ‘A Serviço do Povo’, publicado no Brasil, e Chan Koonchung, que escreveu o distópico ‘Os Anos Gordos: China 2013’, só disponível em mandarim.
De estrangeiros, uma das presenças mais aguardadas é a do ex-correspondente da revista ‘The New Yorker’ Peter Hessler, autor de uma elogiada trilogia sobre os seus anos na China.
Localizado no bairro Sanlitun, o café-restaurante-livraria pertence à britânica Alex Pearson e é praticamente o único lugar da capital com um bom acervo de livros em inglês sobre a China, incluindo os que tiveram tradução proibida pela censura oficial.
ARTISTAS E A JUSTIÇA
Os problemas de artistas dissidentes com a Justiça chinesa continuam. Desta vez, as atenções estão no julgamento de Wu Yuren, 39, acusado em maio de atacar policiais dentro de uma delegacia, onde havia ido registrar uma queixa. O artista plástico, que está preso desde então, afirma que o espancado foi ele.
Há um ano, Wu participou de um protesto contra o despejo de uma comunidade de artistas, e também assinou a Carta 08, manifesto pró-democracia liderado pelo dissidente Liu Xiaobo, condenado a 11 anos de prisão e premiado Nobel da Paz no ano passado.
A principal prova contra Wu é um suposto vídeo do ataque gravado por uma câmera de segurança. Quando a defesa do artista pediu uma cópia, no entanto, a polícia disse que as imagens se perderam durante uma reforma da delegacia.
Sua mulher, a canadense Karen Patterson, disse que, durante depoimento no final de janeiro, Wu foi ordenado a se calar após dizer: ‘Como vocês não têm nenhuma prova contra mim, tudo é falso’.
Semanas atrás, Ai Weiwei, outro artista que assinou a Carta 08, teve o seu estúdio demolido em Xangai, sob a alegação de que havia sido construído irregularmente.
CONFÚCIO REABILITADO
A recente inauguração de uma estátua de 9,5 metros de Confúcio marcou a contagem regressiva para a reabertura do Museu Nacional da China, após uma reforma de três anos que consumiu R$ 631 milhões. Com cerca de 1 milhão de peças, o maior acervo de antiguidades chinesas de Pequim estará disponível ao público em março.
Pouco se sabe sobre como ficou o interior de quase 200 mil metros quadrados e qual será a exibição de abertura. Mas a reforma do museu conseguiu pelo menos um feito: a nova estátua de Confúcio o aproximou do ‘desafeto’ Mao Tsé-tung, cujo corpo embalsamado jaz no mausoléu vizinho.
Mao associava o pensamento de Confúcio, nascido há uns 2.500 anos, com a sociedade rural e atrasada que ele queria transformar. Quem seguia seus ensinamentos podia ser até condenado à morte na China das décadas de 60 e 70.
Nos últimos anos, porém, Confúcio tem sido reabilitado pelo Partido Comunista. Tanto que há cerca de 300 institutos com seu nome mundo afora (a Unesp abriga um) para promover a cultura chinesa e ensaiar o ‘soft power’.