Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imitando a imprensa no seu pior

No domingo, a Folha deu na primeira página – sob a manchete “Lula reabre compras de Petrobras com FGTS” – que “o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu permitir o uso de recursos do FGTS numa nova rodada de investimentos da Petrobras, relativa à exploração do petróleo da camada pré-sal. Quem já tem ações da estatal compradas pelo FGTS poderá voltar a aplicar. Será preciso mudar a lei para permitir nova rodada de FGTS em investimentos na estatal”.

Na manhã seguinte, em Nova York, Lula pegou pesado: “Eu acho abominável alguém fazer uma manchete irresponsável daquele jeito sem nunca ter conversado comigo e sem que eu nunca tivesse sequer pensado na idéia. Eu acho irresponsável porque isso mexe com o mercado, mexe com ações, por uma coisa que eu nunca falei”.


E mais: “Se alguém quer dizer que pensa alguma coisa desta magnitude, no mínimo deveria ter a responsabilidade de me consultar, ou o Ministério da Fazenda, ou do Planejamento, o presidente do Banco Central, ou o ministro do Trabalho, que é quem administra o dinheiro do FGTS.”


Deixaram de contar ao presidente que isso já tinha sido feito. Com o jornal na rua, a primeira coisa que outros órgãos de mídia procuraram, responsavelmente, foi checar a informação que não mencionava fontes – limitando-se à fórmula “a Folha apurou” – exatamente com o ministro do Trabalho, Carlos Lupi.


E ele confirmou o furo da Folha, na matéria assinada por Kennedy Alencar. Lupi disse a mais de um repórter que o governo permitirá, sim, o uso de parte dos R$ 200 bilhões depositados nas contas vinculadas do FGTS para cacifar a Petrobras na exploração do pré-sal.


Não só confirmou, como elaborou. “A idéia é muito positiva. [Isso] já foi feito anos atrás e deu uma rentabilidade grande, superior a 700%”, afirmou ao Valor. “É bom para a Petrobras, para o trabalhador e para o Brasil.”


E informou, ainda por cima, que o Conselho Curador do FGTS – formado por representantes do governo, do patronato e dos empregados – se reunirá no início de outubro para definir o desenho da operação.


Ontem, Lula mandou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, desmentir Carlos Lupi.


Trapalhadas e indiscrições acontecem nos melhores governos – sem falar dos piores. Coisas ainda mais sérias acontecem quando há enormes interesses em jogo, como é o caso da capitalização da Petrobras. O que não se justifica é o presidente atirar primeiro e perguntar depois.


A Folha, em retrospecto, não foi nem irresponsável, muito menos a sua manchete é abominável. [Na segunda-feira, o jornal informou que obtivera a informação ‘de três auxiliares diretos do presidente, que relataram a decisão de Lula de envolver trabalhadores e a classe média no processo de capitalização da Petrobras’.]


De seu lado, dizendo o que disse, Lula imitou a imprensa nos seus piores momentos: quando dispara acusações sem fundamento e depois toca a vida como se nada tivesse acontecido.