O Valor Econômico reabre o debate sobre a influência negativa da valorização do real perante o dólar nas exportações – e, mais uma vez, dribla os leitores na falta de argumentos convincentes. Durante o primeiro semestre, o lobby forçou os jornais, durante meses seguidos, a repetir com exaustão as palavras ‘apesar do dólar’ diante dos números positivos da balança comercial. No jornal de hoje, dividindo destaque na primeira página com a manchete principal, lê-se no Valor que ‘Crise bate à porta das indústrias de Franca’. Já no texto que sustenta a submanchete, começam a aparecer os buracos. O jornal afirma que a crise é ‘provocada pela valorização do real e pelo desaquecimento da economia’ e anuncia que uma tradicional fábrica de sapatos redireciona suas atenções para o mercado interno ‘para superar a crise’. Fica no ar a pergunta: se a economia está desaquecida, não será inútil para a empresa voltar-se para o mercado interno?
Perguntas sem resposta e referências disparatadas são comuns em reportagens que representam lobbies que vão contra os fatos – como é o caso da ala empresarial que aponta o dólar barato como principal causa de seus pesadelos. Entre os argumentos vazios, a reportagem do Valor diz que um dos sinais da crise que se abateu sobre Franca é a queda de 30% nas vendas de filmes e materiais fotográficos na principal óptica da cidade, na comparação entre janeiro e maio deste ano com 2004. Ocorre que a queda na venda desses produtos ocorre em todas as partes do mundo, mas por outro motivo, conforme trouxe o mesmo Valor, em 25 de maio passado, na reportagem ‘Kodak vai fechar unidade de São José dos Campos; cortes atingem 250’. O motivo da decisão da empresa – e também da queda nas vendas da óptica de Franca – é ‘o declínio da demanda por produtos tradicionais na indústria da imagem, com o aumento da digitalização na fotografia’.
A defesa da desvalorização do real perante o dólar continua batendo em barreiras intransponíveis, o que talvez explique a vacuidade dos argumentos que os jornais reproduzem a favor do lobby da desvalorização. A coluna Direto da Fonte do O Estado de S.Paulo de hoje traz o xis da questão: ‘Em maio, as emissões de empresas brasileiras no mercado externo somaram US$ 920 milhões. Em junho, US$ 2,8 bilhões. E em julho, até agora, já estão acima dos US$ 500 milhões. O superávit da balança comercial na segunda semana de julho, divulgado ontem, bateu no US$ 1,333 bilhão. No mês, está em US$ 1,7 bilhão. E, no ano, o saldo positivo é de US$ 21,4 bilhões. Segurar o câmbio como?’, pergunta.
Outro lobby que ficou nu encontra-se na página B5, também do O Estado de S.Paulo de hoje, que traz reprodução do The Wall Street Journal Americas. A reportagem ‘Brasil avança mais que outros países latino-americanos no combate a cartéis’, assinada por Geraldo Samor, mostra os avanços das ações antimonopólio e antitruste no Brasil em razão das decisões do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). De passagem, em apenas um parágrafo, o jornal norte-americano desmonta os argumentos acolhidos pelos jornais brasileiros em defesa da Nestlé, no processo de incorporação da Chocolates Garoto que foi bloqueado pelo Cade. A briga vem se estendendo há vários anos e o último lance foi a liminar concedida à Nestlé derrubando temporariamente o veto. ‘As autoridades dizem que a compra dá à Nestlé até 89% do mercado de alguns chocolates e querem cassar a liminar’, diz a reportagem. ‘A Nestlé argumenta que decisões desse tipo afugentam o investimento estrangeiro – embora suas rivais Kraft Foods, dos EUA, e Cadbury Schweppes, da Grã-Bretanha, digam que estão prontas para investir no Brasil e a Nestlé vender a Garoto. A Nestlé não quis comentar’.