Não são os fatos. São os números o que mais impressiona no noticiário da crise da corrupção. Basta ver quanto a senhora Renilda Santiago, mulher de Marcos Valério, tentou sacar ontem em dinheiro vivo de uma conta do casal no BankBoston de Belo Horizonte: R$ 1,9 milhão. Quantos de vocês se lembram de ter retirado alguma vez na boca do caixa mísero R$ 1,9 mil?
Num caso, porém, os fatos falam mais alto. Os R$ 50 mil sacados do Banco Rural em 4 de setembro de 2003 pela senhora Márcia Regina Cunha, mulher do então presidente da Câmara, João Paulo Cunha, são café-pequeno perto do valor médio embolsado pelas outras 45 pessoas autorizadas por Valério a passar a mão na bufunfa que alcança R$ 25,5 milhões.
Os R$ 50 mil cabem 180 vezes no contrato que o deputado petista assinou três meses depois com o bom Valério para fazer a publicidade da Câmara – leia-se do pré-candidato ao governo de São Paulo que a presidia. No ano seguinte, o contrato recebeu mais duas injeções, no total de R$3,8 milhões.
Quando o nome da senhora Cunha apareceu pela primeira vez no noticiário – na lista que misturava alhos com bugalhos dos frequentadores da agência do Rural em Brasília, entregue pelo deputado Rodrigo Maia à Rede Globo, que irresponsavelmente a levou ao ar no Jornal Nacional – o marido explicou por escrito à CPI dos Correios que a sua mulher e também a sua secretária foram mais de uma vez ao banco acertar uma dívida de TV por assinatura.
Na sexta-feira passada, pensou melhor. E retirou o documento enviado à CPI (como o Globo deu em primeira mão). Hoje, informam os diários, João Paulo chegou a escrever uma carta de renúncia ao mandato, mas de novo pensou melhor.
Depois de se aconselhar com os senadores José Sarney e Renan Calheiros – bons conselheiros esses –, achou que era o caso de esperar. E sumiu de cena, acompanhado da digníssima. Mas não antes de dizer, segundo a Folha, que está se sentindo “usado” e que não vai “cair sozinho”.
Sozinho ou mal acompanhado, a queda é certa. Assim como a dos Janenes, Valdemares e outros figuraças do mensalão/”recursos não contabilizados”, conforme o eufemismo do professor Delúbio – e do denunciante do esquema (que também parece tê-lo beneficiado), o operístico Roberto Jefferson.
A derrocada de João Paulo só fará menos barulho do que a do seu mentor José Dirceu.
Podiam ter pelo menos a decência de se curvar sobre a espada. Mas o inflexível senso nipônico de vergonha nunca vicejou no clima de secura ética do Planalto.