O presidente Lula voltou a atacar a imprensa ontem, durante atos públicos de que participou em companhia do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em Pernambuco. Entre os jornais de hoje (17/12), só o Globo publica resposta à altura da agressão. Noticia reações da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas).
Num quadro de recapitulação, Lula aparece em fotografias confraternizando com Roberto Jefferson, Delúbio Soares, Duda Mendonça e Valdemar Costa Neto. E o jornal mostra com clareza que acusações apontadas hipoteticamente como “infâmias” pelo presidente partiram dos aliados de seu governo. O texto de abertura relembra que Lula já havia comparado a imprensa brasileira à venezuelana, como fez ontem, “de novo parecendo ignorar as provas levantadas pelas CPIs, pela Polícia Federal, pelo Ministério Público, pelo TCU, entre outros órgãos”.
Uma idéia salutar seria todos os jornais comprometidos com a democracia publicarem diariamente, enquanto durarem os ataques do presidente à lisura da imprensa, uma recapitulação desse tipo. Idéia que poderia ser estendida ao rádio e à televisão. Só os fatos, sem comentários, que ficam para editoriais e colunas de opinião, como fez o Globo,
Se a grande imprensa não for enérgica na defesa da democracia, de duas, uma: ou a democracia sai baleada da crise, ou a resposta adequada não será dada pela grande imprensa hoje existente, mas por uma nova imprensa que pode estar se preparando para vir à luz, mais ágil, mais opinativa – caminho que cada vez mais parece se desenhar para a mídia impressa. Sintonizada com aspirações e necessidades muito importantes do leitorado.
Por que Jefferson foi cassado
Em sua edição de sexta-feira (16/12), a Folha publicou um “infográfico” com explicações para a absolvição do deputado Romeu Queiroz. Em dois de três círculos coloridos, está escrito: 1) “Roberto Jefferson foi cassado por não provar o ´mensalão´”; 2) “José Dirceu foi cassado acusado de ser o chefe do esquema denunciado por Jefferson”.
Quanta injustiça contra Dirceu! Cassado sob a acusação de ter sido chefe de algo que Jefferson não conseguiu provar.
A Folha esposa reiterada argumentação do presidente Lula a respeito da cassação de Jefferson. Não se sabe se por descuido ou gentileza com um personagem que lhe concedeu duas memoráveis entrevistas exclusivas. Em todo caso, vale a pena rememorar o que a própria Folha afirmou em editorial após a cassação de Roberto Jefferson (16/9):
“Roberto Jefferson decerto prestou um serviço ao país ao denunciar o amplo esquema de corrupção que estava enquistado no Palácio do Planalto e se infiltrava por toda a República. O fato de ter oferecido à nação a inestimável oportunidade de conhecer as entranhas do poder não altera, porém, os ilícitos que cometeu e que configuram, sem nenhuma dúvida, quebra de decoro parlamentar. Foi o próprio Jefferson, em suas teatrais intervenções, quem admitiu ter recebido recursos ilegais para a campanha de 2004 e confessou ter traficado influência em estatais, em especial no Instituto de Resseguros do Brasil. Diante disso, aos deputados só restava destituí-lo de seu mandato e torná-lo inelegível por oito anos após o fim da atual legislatura. Outras acusações que constavam da peça de Jairo Carneiro (PFL-BA), relator do caso Jefferson no Conselho de Ética da Câmara, parecem de fato menos sólidas. Mas basta que uma seja consistente para que se materializem as razões para a cassação”.
O jornal precisa escolher com que versão vai ficar: se com a de seu próprio editorial ou com a preferida pelo presidente da República.
Isso não é firula: a base da argumentação de Lula e do PT repousa na afirmação de que não houve “mensalão”.
Câmara na linha de tiro
Os jornais de hoje continuam a marcar sob pressão a Câmara dos Deputados, que inaugurou no vazio o período da convocação extraordinária. Mantém-se a indignação provocada pela escandalosa absolvição do deputado Romeu Queiroz. A Folha chega a reproduzir em título o adjetivo “fétido”, com que o presidente da OAB, Roberto Busato, se refere ao “cheiro que exala de Brasília”. O Estadão vitupera em editorial o “valerioinduto”. Mas só a Folha permanece na trilha do escândalo de entrega de cédulas de votação do “não” à cassação de Queiroz. Ontem, vários jornais reproduziram acusações do deputado Mauro Passos (PT-SC) de que o deputado Osvaldo Biolchi (PMDB-RS) teria ferido o decoro parlamentar ao distribuir cédulas pró-Queiroz. Hoje, o Painel da Folha amplia a lista dos distribuidores de cédulas: do PMDB mineiro, Mauro Lopes e Carlos Willian; do PFL mineiro, Lael Varella; e do PTB cearense, Arnon Bezerra.
Fariam bem os jornais se publicassem tabelas com nomes de deputados que honram seus mandatos. Para poupar espaço, nem seria preciso publicar listas dos que os desonram.
Brasil, vizinho incômodo
O Globo publica hoje entrevista em que o presidente da Bolívia, Eduardo Rodríguez, critica as tentativas de ingerência estrangeira na eleição que se realizará amanhã em seu país. Pela ordem de citação, dos governos americano, venezuelano e brasileiro.
Parece sensato. Menos sensato é o presidente Lula se comprometer com o apoio a um dos candidatos, no caso Evo Morales, do Movimento ao Socialismo (MAS).
A relação do Brasil com a Bolívia é complicada.
Gás e petróleo são dois ingredientes de uma equação geopolítica. Morales anunciou que, se eleito, vai impor obstáculos à participação brasileira na exploração dessas riquezas naturais bolivianas. Ontem mesmo (16/12) o Globo publicou, a respeito da troca da esquadrilha de guerra da FAB, o seguinte comentário de um pesquisador de assuntos militares da Universidade Federal de Juiz de Fora, Expedito Bastos: “Não vamos ter uma força militar para combater, nenhuma potência vai nos invadir, mas estamos cercados de problemas que podem se agravar no futuro, como a guerrilha colombiana e a instabilidade na Bolívia” (grifo meu).
Outro lado da moeda: vivem em São Paulo, semi-escravizados por empresários do ramo das confecções, dezenas de milhares de bolivianos (em condições tão ruins de trabalho e vida que a incidência de tuberculose entre eles é muito maior do que na população da cidade como um todo). São, na maior parte dos casos, imigrantes clandestinos, como os brasileiros que vão para os Estados Unidos. Mas esses últimos, em geral, conseguem lá melhores condições de vida do que os bolivianos aqui.
Na campanha presidencial de 2002, o economista Tito Ryff, que representava o candidato Anthony Garotinho num debate na Câmara Americana de Comércio de São Paulo, chamou a atenção para o fato de que, do mesmo modo como o tamanho dos Estados Unidos incomoda um país como o Brasil, o tamanho do Brasil incomoda seus vizinhos menores de continente. É só se colocar do ponto de vista dos outros para entender isso.
Mais prudência do presidente Lula seria, portanto, recomendável. Mais prudência e menos palanque eleitoral.