O repórter da Folha de S. Paulo Fabio Schivartche tão cedo não vai esquecer a madrugada de domingo, 14 de maio. “Eu passei a madrugada trabalhando na periferia, rodando de carro. A cidade vazia, ninguém nas ruas, com medo dos ataques, e eu e o fotógrafo atrás das ocorrências, para ouvir familiares, ver com os próprios olhos a ação dos policiais. Foi uma noite pesada. Tive medo em alguns momentos, principalmente na periferia, na Zona Norte. Só carros de polícia rodando. Fui a um hospital onde policiais baleados vieram a falecer logo depois”.
Schivartche cobre as áreas de administração e política estadual para o caderno Cotidiano. Foi convocado no início da tarde de sábado. Ele deu a declaração do governador Claudio Lembo de que sabia 20 dias antes da ameaça de rebelião do PCC. Mas isso não seria imediatamente.
“Eu e outros repórteres da madrugada fizemos relatórios para a turma que chegou no domingo a hospitais”, conta Schivartche. “No domingo eu voltei a trabalhar na minha casa, fiquei entrevistando prefeito, governador, vendo mais a parte política, porque há uma interface, claro, entre a área administrativa, do dia-a-dia, e a área política. O que o governo pretendia fazer e fez para combater o crime organizado, o PCC, e também para acalmar a população, muito alarmada naquele momento, tanto que na segunda-feira ficou com medo de sair às ruas. O pessoal foi trabalhar, não tinha ônibus para voltar para casa, foi aquele caos na cidade”.
O jornalista avalia que a Folha fez a melhor cobertura nos dois ou três primeiros dias, porque teve capacidade de se organizar, e foi tão analítica quanto pôde naquele momento. Depois, diz, a cobertura dos jornais ficou mais equilibrada.
Schivartche concorda com a análise do ex-secretário da Administração Penitenciária Nagashi Furukawa segundo a qual a mídia discutiu pouco as causas e mais as conseqüências. Menciona a questão social, “um pouco na linha do que o governador Lembo falou” [na entrevista em que criticou a “elite branca”]. Compara a situação à do Iraque e à do Afeganistão: “Os americanos não entendem o que acontece”.
Para o repórter da Folha, a sociedade como um todo foi deixando de lado a periferia, “um caldeirão prestes a explodir”. Ele acha que é preciso discutir a “pobreza da pobreza”. Pobres, excluídos, são deixados quase à mercê do crime organizado. Não se trata, no caso, das pessoas que têm propensão ao crime.
Schivartche acha que a imprensa precisa mostrar muito mais, desbravar em profundidade, examinar o que se fez nos últimos governos, desde Quércia, Fleury, como se pensou, historicamente, o crime organizado e o crime desorganizado, a população penitenciária. O jornalista diz que área de segurança pública do governo paulista ficou num “pedestal”. Agiu como costumam agir todos os governos ao dizer que estava tudo “sob controle”. E o governo tentou até obstruir o trabalho da imprensa. “A Folha de S. Paulo cansou de pedir os laudos” dos homicídios, relembra.
Fabio Schivartche acha que o importante, daqui para a frente, é investigar o que está sendo feito para combater a desigualdade social e para lidar com a violência. Estudar os gastos públicos, as iniciativas positivas da própria população, as experiências que deram certo.
Não acredita que seja necessário federalizar a questão. “A atual divisão de responsabilidades é boa e tende a melhorar. Não é preciso centralizar, criar mais burocracia, contanto que as diferentes instâncias troquem informações, que os órgãos de inteligência policial conversem mais uns com os outros, “ao invés de ficar com picuinhas”. Esse, afirma, é um dos grandes gargalos.
A polícia ganha mal, mas de onde seria possível tirar recursos para a segurança pública, pergunta. Da educação, da saúde? Isso só aumentaria as dificuldades no futuro. É preciso tentar evitar a corrupção e os desvios de conduta. Punição? A justiça é outro problema. “O poder judiciário no Brasil acaba ficando muito aquém do que deveria”, constata o repórter da Folha.