Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Eles são donos do Pará’

‘Minha sensação é de impotência e tristeza. Pois eles são donos do Pará. Na minha terra sou submetido a uma lei de cangaço.’ Poucas horas após o episódio do restaurante do Parque da Residência, Lúcio Flávio Pinto concedeu esta entrevista exclusiva, por telefone, ao site Amazônia (www.amazonia.org.br), de São Paulo [e-mail: contato@amazonia.org.br].

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Você pode nos contar como foi o conflito no restaurante?

Lúcio Flávio Pinto – Estávamos almoçando no restaurante do Parque da Residência, como fazemos habitualmente, eu e um grupo de amigos, umas oito pessoas, salvo engano. Passada meia hora no restaurante, chegou o Ronaldo com um amigo. Sentou numa mesa exatamente atrás de mim, de modo que ficou nas minhas costas – eu não podia vê-lo. Após um intervalo de tempo de cerca de vinte minutos senti um murro na face direita. Neste momento, ele já estava acompanhado de seus seguranças particulares, que são dois soldados da Polícia Militar, um deles conhecido como Saddam. Após o murro ele me deu uma gravata, arrebentando todos os botões da minha camisa. Na seqüência veio um empurrão, caí sobre cadeiras, indo parar no chão. Ronaldo gritava que ia me matar, senão me matasse ali naquele momento seria em outro lugar, mas que eu nunca mais iria escrever sobre a família dele! Após a tentativa de apartar a briga, o André (NR: o economista e comerciante André Carrapatoso Coelho, que acompanhava LFP no almoço) passou a ser agredido por um dos seguranças também. Enquanto Ronaldo gritava, um dos seguranças me chutava também. Algumas pessoas tentavam segurá-lo. Finalmente eu consegui me levantar. Disse que não tinha sentido o que ele estava fazendo. Os próprios seguranças pararam de bater e foram segurá-lo. Em seguida retiraram-se do restaurante, que estava lotado, tinha aproximadamente 80, talvez 100 pessoas. O restaurante fica na antiga residência do governador, é local freqüentado, o Restô do Parque.

Você então se dirigiu à polícia?

L. F. P. – Do restaurante mesmo eu chamei uma patrulha da PM. A patrulha chegou 20 minutos depois. Fomos para a Seccional Urbana de São Brás. Registramos a ocorrência, eu e o André, e depois para o IML fazer exame de corpo de delito, onde foram constatadas as seguintes agressões: hematomas no rosto, escoriações nos braços, nas pernas e nas costas.

Quais providências foram tomadas?

L. F. P. – O que você pretende fazer? Já está em andamento o inquérito policial. Vou entrar na Justiça devido à ameaça de morte e vou entrar com uma ação de indenização. Ao mesmo tempo, pretendo responsabilizar a família Maiorana por qualquer coisa que venha a me acontecer. Pretendo escrever uma carta ao jornal Estado de S.Paulo, onde trabalhei por 17 anos. Vou pedir uma audiência à OAB e vou pedir uma audiência com o ministro da Justiça, pois no Pará não há garantia para o trabalho da imprensa.

Esta é a primeira vez que você é ameaçado de morte?

L. F. P. – Não é a primeira vez que me ameaçam de morte. O marido da Rosângela (NR: Rosângela Maiorana Kzan, irmã mais velha de Ronaldo e diretora-administrativa do grupo ORM) já me agrediu – e ele é faixa preta de caratê – e ameaçou de morte. Na época eu estava fazendo uma série de reportagens sobre as dissidências internas no grupo ORM. A Rosângela entrou com cinco ações sucessivas contra mim, com base na Lei de Imprensa, isto foi em setembro, outubro de 1992, há mais de dez anos. Quatro ações penais e uma ação cível para proibir que eu falasse dela, ou seja, tentou estabelecer uma espécie de censura prévia. Detalhe: ela nunca mandou cartas ao meu jornal, nunca contestou as reportagens. Registrei queixa, foi instaurado o inquérito. E apesar de ele ter sido réu confesso, o Ministério Público não fez a denúncia e eu tive que entrar com ação privada. Mesmo assim, o processo não foi adiante e acabou sendo arquivado por prescrição.

Como você se sente? Acha possível que a ameaça seja cumprida?

L. F. P. – Não sei, quanto a isso estou tomando as precauções legais, o que penso é que essa ameaça existe, de fato. E a simples ameaça mostra que eles se colocam acima do bem e do mal, para fazer isso – uma ameaça de morte – na frente de pessoas da sociedade, com dois seguranças armados que são da Polícia Militar ao lado! É como estar a mercê de um poder sem limites. Minha sensação é de impotência e tristeza. Pois eles são donos do Pará. Na minha terra sou submetido a uma lei de cangaço. Ele não disse nada sobre o meu artigo, nem uma palavra. Bastou não gostar para julgar que tinha o direito de agredir e ameaçar de morte um jornalista.