O presidente Lula acusou a imprensa brasileira de ter “predileção pela desgraça”.
Dependendo da desgraça, pode ser uma boa notícia.
O que ele chama de desgraça – e que pode ser traduzido, duas oitavas abaixo, por infortúnio, problema, coisa ruim – é o ganha-pão da imprensa desde que ela se entende por gente.
O jornalismo de esgoto, de que os tablóides britânicos são a expressão mais bem sucedida no mundo, vive da desgraça alheia, sob a forma de escândalos pessoais e familiares, de preferência de pessoas famosas.
Vive também da desgraça alheia o noticiário policial. Crime vende. O espaço que a violência ocupa mesmo nos jornais de qualidade não tem a ver apenas com o seu peso objetivo no cotidiano de populações inseguras.
Tem a ver – e como! – com aquela porção da natureza humana de onde vem a curiosidade mórbida que, uns mais, outros menos, todos temos. Faz séculos que a imprensa de massa transforma desgraça em divertimento, sofrimento em sensação.
Com imagens, então, é um carnaval.
Se fosse possível saber tudo que todas as emissoras de TV do mundo mostram nas 24 horas de um dia qualquer a título de informação, se veria que a desgraça – no sentido espetaculoso de que se está tratando – com toda a probabilidade ocupa, por baixo, 2/3 do tempo dos noticiários.
Mas dessa predileção pouca gente reclama.
Já a desgraceira que consiste na lesão, por parte dos que podem mais, dos direitos dos que podem menos seria incalculavelmente maior não fossem as revelações da imprensa.
A corrupção nos poderes públicos, para ficar no exemplo da hora, lesa o direito do povo ao gasto judicioso do dinheiro dos seus impostos.
A primeira serventia do jornalismo de qualidade é vigiar e cobrar os governos. Para louvá-los sempre existirá o jornalismo chapa-branca, ou do ramo de secos e molhados, como dizia Millôr Fernandes.
Por isso, se por absurdo a escolha fosse essa, seria preferível ter jornais e não ter governo a ter governo e não ter jornais, na frase definitiva de Thomas Jefferson.
Jornalismo é para dar as más notícias que de outro modo o público não tomaria conhecimento – más notícias, repita-se, para o interesse coletivo.
A imprensa não erra quando destaca essa modalidade de desgraças, quando dá a vexames políticos do porte deste do Senado tratamento de “causa nacional”, como se queixa Lula.
Erra quando apura mal a coisa ruim, quando não a explica com clareza, quando faz denúncias seletivas, quando se limita a ecoar acusações alheias, quando se deixa enredar pelos acusados, quando se cansa dos escândalos que dão em nada, quando não investiga os porquês da impunidade.
Motivos para criticar a imprensa não faltam nunca – aqui e lá fora. A cobertura da desgraça moral do Senado não é um deles.